Conflito sobre feijão bóer paralisa porto de Nacala
Sitoi Lutxeque (Nampula)
2 de fevereiro de 2024
Três gigantes multinacionais entraram em litígio e há dezenas de contentores parados no porto de Nacala, em Moçambique. Autoridades falam em prejuízos avultados. Entenda o caso.
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O porto de Nacala, em Moçambique, está parcialmente paralisado há mais de um mês. Há um conflito sobre a exportação de feijão bóer. Depois de o Governo liberalizar a exportação deste produto, a ETG - uma das empresas que detinha o monopólio da exportação para a Índia - envolveu-se num conflito com duas empresas rivais, que está longe de chegar ao fim.
Impera um clima de desconfiança na província de Nampula e, para já, continua suspensa a exportação de feijão bóer a partir do porto de Nacala.
Há 35 contentores estacionados à espera da resolução do litígio, que envolve três gigantes multinacionais, a ETG, a Royal Group Limitada e a Green Mauritânia.
O que está em causa neste processo?
Tudo começou há mais de um ano. A Justiça moçambicana ordenou a suspensão das exportações da ETG, que tinha acusado a Royal Group de exportar para a Índia soja geneticamente modificada. A Royal Group não gostou das acusações - sentiu-se difamada, foi ao Tribunal Provincial de Nampula e ganhou o processo. O tribunal autorizou a penhora de bens da ETG e aplicou uma fiança de 55,8 milhões de euros.
Para saldar esse valor, foi apreendido feijão bóer e outros produtos que a ETG pretendia exportar.
Descontente com a decisão e queixando-se de ilegalidades, a ETG pediu a intervenção do Tribunal Marítimo moçambicano para travar a exportação de 250 contentores da Royal Group e inspecionar a mercadoria. A empresa queria impedir a exportação de feijão bóer apreendido. Mas não foi encontrado esse feijão nos primeiros 15 contentores inspecionados, testemunhou o juiz do Tribunal Marítimo de Nampula, Boliz Júlio.
"Do rol de produtos que se dizem arrestados da pertença da requerente, neste caso a ETG, não consta este produto [feijão bóer, mas sim holoco]", disse.
A inspeção ficou por essa amostra e a ETG não ficou convencida. Mário Amisse, mandatário judicial da empresa, pediu uma vistoria mais a fundo: "Que descarreguem toda a mercadoria que faz parte do grupo para que seja inspecionada, isso é que se chama inspeção judicial, é o que nós requeremos, não é o que os outros entendem que devem fazer".
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Porque há atrasos na exportação do feijão bóer?
A exportação está parada. Enquanto prosseguem as investigações do Tribunal Marítimo, os produtos não podem sair do porto de Nacala.
Além do descarregamento dos contentores da Royal Group, a ETG pediu também uma inspeção a dezenas de contentores da Green Mauritânia, alegando um conluio entre a Green Mauritânia e a Royal Group para exportar feijão bóer apreendido.
Chomar Amisse, mandatário da Green Mauritânia, nega as acusações. A empresa diz que soma prejuízos avultados devido aos atrasos no envio da mercadoria.
"Esta mercadoria já entrou no porto muito antes de ser decretada providência cautelar. Estamos a falar de 14 de novembro. Os prejuízos são avultados", explica Amisse.
O Estado também fica prejudicado com este caso?
A Green Mauritânia e a Royal Group já disseram que vão exigir à ETG que pague todos os prejuízos. Sem avançar dados concretos, as autoridades portuárias e alfandegárias também se queixam de vários danos devido a este caso.
José Saltiel é diretor das Alfândegas em Nacala. "A ocupação do cais por muito tempo acaba impedindo a entrada de outros navios", afirma. "Não havendo essas entradas, isso prejudica o desembaraço aduaneiro e a coleta de receitas [a favor do Estado] durante este período".
O responsável avança outro problema: "O medo que nós temos é que os agentes de navegação, por causa desse barulho que acontece neste processo de exportação, desistam de usar o porto de Nacala".
O processo de supervisão dos contentores continua. Faltam ainda verificar 230 contentores no âmbito do conflito pela exportação do feijão bóer.
O "boom económico" na cidade de Nampula
Com mais de 60 anos, a cidade de Nampula está em expansão: hotelaria, instituições públicas e melhores vias de comunicação são alguns dos exemplos. Mas há ainda muitos desafios para superar.
Foto: DW/S.Lutxeque
Cidade na rota do desenvolvimento
A cidade de Nampula completa 62 anos de elevação a cidade a 22 de agosto de 2018. Os últimos anos têm testemunhado uma constante em transformação. Novas infraestruturas, como hotéis, centros comerciais, edifícios de serviços públicos, estradas e vias férreas estão a fazer crescer a cidade.
Foto: DW/S.Lutxeque
Mais oferta hoteleira
Nos últimos anos, o setor da hotelaria e turismo é um dos que mais se tem notabilizado, em crescimento e expansão das atividades na cidade de Nampula. Só nos últimos cinco anos, abriram dois grandes hotéis que dão emprego a milhares de moçambicanos. Na foto vê-se o Grand Plaza Hotel, totalmente de capitais moçambicanos e inaugurado em junho passado pelo Presidente da República.
Foto: DW/S.Lutxeque
Novo Palácio da Justiça em Nampula
A cidade recebeu um dos maiores empreendimentos do setor judiciário que acolhe várias instituições, nomeadamente, a Procuradoria, o Serviço Nacional de Investigação Criminal, o Tribunal Judicial, o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica, e a Administração do próprio Palácio da Justiça. O empreendimento foi construído de raiz e ocupa uma área de mais de dois quilómetros quadrados.
Foto: DW/S.Lutxeque
Centros comerciais desenvolvem economia
Com a descoberta e exploração de vários recursos minerais e naturais na província, muitas empresas, na sua maioria de origem estrangeira, fixam-se em Nampula. Muitas arrendam escritórios em centros comerciais. Um dos exemplos é o Milénio Center, construído nos últimos anos. Fornece serviços de aluguer de escritórios, lojas, cafetarias, estabelecimentos bancários entre outros.
Foto: DW/S.Lutxeque
Proliferação de quiosques "take-away"
Não são só as grandes empresas que contribuem para desenvolver a cidade. Também há um aumento de quiosques que confecionam e vendem produtos na via pública. Desde 2016, só na cidade de Nampula, as autoridades já municipais já licenciaram centenas destes estabelecimentos para o exercício de atividades. Em quase todas ruas existem quiosques, vulgarmente conhecidos por "take-away".
Foto: DW/S.Lutxeque
Mais e melhores estradas na cidade
A reabilitação e construção de estradas, em vários pontos do centro da cidade foi um dos marcos dos últimos cinco anos. Boas estradas são uma necessidade para responder ao aumento do parque automóvel que se vem registando desde a independência do país, sobretudo nos últimos anos.
Foto: DW/S.Lutxeque
Grande investimento em ferrovias
A cidade de Nampula, está localizada ao longo do Corredor de Nacala, considerado o "pulmão" económico da província. É atravessada por uma linha férrea que liga ao distrito de Nacala-a-Velha a Moatize, com passagem pelo vizinho Malawi, numa extensão aproximada de 900 quilómetros. A linha representa um investimento de quase 4 mil milhões de euros.
Foto: DW/S.Lutxeque
Filial do Banco de Moçambique
Na foto vê-se a filial do banco de Moçambique em Nampula. O Banco Central investiu cerca de 240 milhões de dólares nas obras de construção da sua nova sede em Maputo e nas filiais de Nampula e Xai-Xai, bem como na reabilitação e ampliação das filiais de Chimoio e Beira.
Foto: DW/S.Lutxeque
Casas modernas em construção
"Modern Town-Nampula" é um grande projeto de construção que se prevê que resulte em 1800 casas construídas de raiz, no bairro de Mutauanha, numa zona de expansão. Este projeto projeto do Governo moçambicano, através do Fundo de Fomento de Habitação foi lançado em setembro do ano passado e prevê atribuir habitação aos jovens a título de crédito.
Foto: DW/S.Lutxeque
Mercado Municipal também mais moderno
O Mercado Municipal, vulgarmente conhecido por Mercado Central, é um dos mais antigos estabelecimentos comerciais que sobrevive até aos dias de hoje. Esta infraestrutura já passou por reabilitações e vai sobrevivendo aos maiores e atuais estabelecimentos comerciais. Antigamente, eram vendidos vestuários e diversos eletrodomésticos. Agora, limita-se a produtos de primeira necessidade.
Foto: DW/S.Lutxeque
Construção da estrada Nampula-Nametil
A estrada que liga a cidade de Nampula a Nametil, sede do distrito de Mogovolas, já está em construção. São mais de 70 quilómetros. Os cidadãos consideram que vai alavancar a economia, pois vai ligar, e assim, aproximar, uma zona de produção à cidade.
Foto: DW/S.Lutxeque
Bairros periféricos excluídos do "boom"
A cidade de Nampula conta com mais de um milhão de habitantes e dispõe de cerca de 18 bairros. Começam também a surgir zonas de expansão, onde muitos não beneficiam, na sua totalidade, do "boom" económico que a cidade ultrapassa. A degradação de estradas ou mesmo falta de vias de acesso, bem como a falta de corrente elétrica, água potável e lixo abundante são alguns dos problemas.