Disputa de espaço entre a mineradora Vale Moçambique e a comunidade de Nhanchere, na vila de Moatize, resultou na morte de Hussen António Laitone, um jovem de 25 anos de idade.
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O caso aconteceu no dia 13 de julho, tendo apenas sido reportado pelo semanário Malacha, uma publicação editada na vila de Moatize, na edição da última sexta-feira (14.07). A notícia chamou a atenção de outros órgãos de comunicação nacionais e internacionais, incluindo organizações da sociedade civil.
Nesta quinta-feira (20.07), o jornalista e editor do semanário Malacha, Aparício de Nascimento, foi ouvido pelo comando distrital da Polícia da República de Moçambique, em Moatize, para prestar declarações sobre a reportagem da morte de Hussen António.
Hussen António terá sido baleado quando se encontrava na sua residenência, perto do local onde decorria um protesto organizado por residentes do bairro Nhanchere, arredores do município de Moatize, exigindo a abertura de acessos para o interior da área concessionada à Vale, de onde retiram lenha e pasto para o seu gado.
"Todas as pessoas neste bairro sobrevivem através desta mata. É onde tiram lenha, pastam seu gado", contou à DW África, Noque Mário, um residente do bairro Nhanchere.
Noque Mário acrescenta que a confusão teve início quando uma empresa subcontratada pela Vale Moçambique queria fechar a única passagem da população para o interior da vedação da área concessionada à mineradora brasileira.
"Quando queriam fechar, a população começou a reagir, porque não tinha sido comunicada", acrescentou.
De acordo com populares, foi mobilizada para o local uma força policial. "Com a reação da população, a polícia começou a disparar. Quando nós estávamos a fugir, havia um senhor que vinha assistir à greve e acabou por ser baleado mortalmente", explicou Noque Mário.
Vítima de bala perdida?
Desde 2012, a população abrangida pela mineração no distrito de Moatize tem vindo a denunciar atos de violação e ursurpação das suas terras pelas mineradoras. Em 2015, a Vale intensificou a vedação da área a si concessionada, tendo bloqueado a movimentação da população.
Julião Macajo, secretário do bairro Nhanchere, diz que o protesto popular era justo e justifica: [a Vale] "não poderia fechar porque são sítios que foram deixados [com acesso permitido à população] através de uma coordenação entre a empresa e o Governo".
A chefe da sessão de imprensa do comando provincial da Polícia da República de Moçambique em Tete, Deolinda Matsinhe, diz que Hussen António foi vítima de uma bala perdida.
"Uma das balas veio a atingir um inivíduo que se encontrava em sua residência e este veio a perder a vida. A polícia, neste momento, criou uma comissão para averiguar as circunstâncias, o que realmente aconteceu para ocorrer este incidente", afirmou Deolinda Matsinhe. A vítima deixou viúva e três filhos menores.
Governo distrital e provincial acusado de não agir
Conflitos entre mineradora e comunidades em Tete causam morte de jovem
Num comunicado distribuído à imprensa nesta segunda-feira (17.07), a mineradora Vale Moçambique nega qualquer responsabilidade na morte de Hussen António. A Vale reitera que "a vedação das áreas de exploração mineira é um requisito legal", sendo que a Vale, desde 2013, está a vedar a extensa área onde ocorreu o incidente. Um dos valores da empresa é a vida em primeiro lugar". A empresa considera que "a vedação da área é imprescindível para garantir a segurança da própria população".
A população acusa o governo distrital e provincial de nada fazer para a reposição dos direitos das populações afetadas pela mineração em Tete, nomeadamente Vila de Moatize, Cateme, Mualadzi, Capanga (IVCL), Chirodzi e Cassoca (Jindal África).
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir esta quinta-feira (20.07) as autoridades provinciais sobre o incidente.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.