As viagens tornaram-se perigosas e só podem ser feitas com escoltas. Correspondente da DW África percorreu um longo trecho da estrada de Inhambane a Tete.
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Uma escolta chega. O carro blindado com seis militares segue à frente de uma coluna com mais de 100 veículos que esperavam para viajar, mas mesmo com a escolta o caminho pode ser perigoso. Um viajante conta-nos que foi roubado por homens armados.
O cenário acima é uma prova de que em Moçambique não tem sido fácil ir de Inhambane a Tete. As cidades estão localizadas a menos de 900km uma da outra e a viagem antes feita de carro num dia hoje demora muito mais por causa dos confrontos entre as forças do Governo e da RENAMO, o maior partido da oposição.
Escolta
Não é possível percorrer o caminho sem proteção militar e se alguém perde a última escolta disponível do dia, precisa esperar até a manhã do dia seguinte dormindo no carro, na estrada ou então procurar uma pensão. Isso aconteceu conosco e com o automobilista de João Vasco, quem conhecemos enquanto esperávamos pela escolta.
Já o viajante Faizal Abdul conta-nos uma história mais drástica sobre os perigos da viagem: "dois homens armados pediram-me dinheiro e quando eu disse que não tinha, reagiram muito mal. O camião não estava bloqueado e ao tentar fugir o camião recuou e capotou fechando o caminho. Perdi todos os meus documentos. O dinheiro também foi levado”.Ao longo do caminho vemos centenas de casas queimadas - ali já não vive ninguém. Para os automobilistas e passageiros a situação é desesperante. Os motoristas que precisam trabalhar transportando mercadorias para o Malawi estão preocupados, conta-nos Mussa Cuirassa, que trabalha para uma empresa naquele local.
"Somos do Zimbabwe, Malawi, Joanesburgo e estamos todos a sofrer aqui na estrada", relata Cuirassa.
Além dos perigos, o percurso antes feito em um dia tornou-se dispendioso: ao longo do caminho até Tete gastamos cerca de 4.000 meticais (cerca de 50 euros) em comida e bebida para três dias de viagem - o que pode ser muito para a população local.
Há cada vez mais deslocados no centro de Moçambique
Cerca de 6.000 pessoas estão alojadas em centenas de tendas distribuídas por quatro centros de acomodação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INCG) nos distritos de Gondola, Vanduzi, Mossurize e Báruè.
Foto: DW/B. Jequete
Fugir à guerra
Mais de mil pessoas chegaram em setembro e outubro de 2016 ao novo centro de acolhimento de Vanduzi, na província de Manica, onde se avolumam as queixas. Fogem do conflito que opõe as forças governamentais aos homens armados da RENAMO, por medo de serem atingidas pelas hostilidades. Dezenas de cidadãos ficaram sem casa na sequência de incêncios provocados por grupos rebeldes.
Foto: DW/B. Jequete
Deslocados de todas as idades
As autoridades abriram o centro de acolhimento de Vanduzi recentemente face ao número crescente de ataques armados na região. Aqui, vivem adultos, idosos, jovens e crianças que foram obrigados a abandonar a escola. Feniasse Mateus está a faltar às aulas. "Viemos para aqui com a família, estou há um mês sem estudar", lamenta.
Foto: DW/B. Jequete
Sem água potável
Em Vanduzi, onde foi acolhida, Fátima Saíde queixa-se das fracas condições, nomeadamente pela inexistência de água potável. "Estamos a sofrer por causa da água, estamos a beber água suja, cheia de capim e de bichos. Têm-nos dado cloro para pormos na água e bebermos". Segundo esta deslocada, a água é retirada de furos tradicionais e charcos.
Foto: DW/B. Jequete
Risco de doenças
A falta de água própria para consumo a somar à falta de condições de higiene preocupa estes milhares de deslocados. Fátima Saíde, teme por exemplo, a eclosão de doenças como a cólera e os surtos de diarreia aguda. Por outro lado, a seca na região agrava as dificuldades.
Foto: DW/B. Jequete
Mais de uma centena de famílias deslocadas em Vanduzi
Os deslocados do novo centro de Vanduzi, criado no início de outubro inicialmente com 125 famílias, são provenientes de Nhamatema, Punguè Sul, Chiuala, Honde, Guta, Mucombedzi, Pina, cruzamento de Macossa, Mossurize, Dombe e Chemba, zonas críticas e agora despovoadas, onde são frequentes relatos de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição.
Foto: DW/B. Jequete
Uma fuga pela defesa e segurança
Joaquim Abril Jeque condena o clima de terror no centro do país que, na sua opinião, é culpa dos homens armados da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). "Achámos conveniente fugir à procura de defesa", conta este deslocado. Segundo ele, as ameaças da RENAMO são constantes. "Ameaçam-nos com armas, matam os nossos animais, levam a nossa comida, agridem as nossas mulheres", exemplifica.
Foto: DW/B. Jequete
"Toneladas" de bens de apoio a caminho
Cremildo Quembo, porta-voz do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), diz que as autoridades estão a ajudar como podem as famílias deslocadas, em Vanduzi. "De salientar que este processo de assistência às famílias é contínuo e já estão a entrar toneladas [de bens de apoio] para todos os distritos afetados", garante o responsável.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de espaço
Devido à insuficiência de tendas, duas ou mais famílias são obrigadas a conviver na mesma barraca de seis metros quadrados. Rostos tristes e lábios rasgados denunciam a pobreza e a fome. A maioria destes deslocados dependem apenas da distribuição de alimentos do INGC, que definem no entanto como "irregular".
Foto: DW/B. Jequete
Faltar à escola
Para além do trauma e do medo constante, a escalada do conflito interno em Moçambique terá outras consequências no futuro das crianças do centro do país. Chinaira José é uma de várias centenas de estudantes que ao serem obrigados a sair da sua zona de residência têm de faltar às aulas, pondo em risco a sua formação escolar.