Conselheiro da ONU adverte sobre genocídio no Sudão do Sul
AFP | DPA | tm
12 de novembro de 2016
Em visita ao país, assessor das Nações Unidas diz que polarização entre grupos tribais e aumento de violência étnica pode culminar em mortes em massa. Governo do país nega e diz que acusação é "infeliz".
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O conselheiro especial das Nações Unidas para a prevenção do genocídio, Adama Dieng, advertiu que a "polarização extrema" entre grupos tribais e a propagação de ódio podem resultar em mortes em massa no Sudão do Sul. Em conferência na capital Juba esta sexta-feira (11.11), o assessor da ONU afirmou temer que o aumento da violência, por razões étnicas, culmine em genocídio.
"Os estereótipos e os insultos têm sido acompanhados por assassinatos selectivos, estupros de membros de grupos particulares, ataques violentos contra indivíduos e comunidades com base em sua afiliação política", disse Dieng ao final de uma semana visita ao país.
Em Yei, no sudeste do Sudão do Sul, "as denúncias de violência incluem mortes planejadas, assaltos, mutilação e estupro por homens armados, alguns deles uniformizados", declarou. "Há casos bárbaros de uso de machetes, que nos lembram Ruanda", acrescentou referindo-se ao genocídio ocorrido neste país em 1994.
Para o conselheiro, o Sudão do Sul tem hoje todos os elementos para um desastre, incluindo a paralisação do acordo de paz, a atual crise humanitária, a estagação económica e a proliferação de armas.
Já o Ministro da Informação do Sudão do Sul, Michael Makuei, discordou, dizendo que a acusação de risco de genocídio no país é "muito infeliz". "Eu não concordo com ele, pois esse relatório negativo não ajudará. O que acontece no Sudão do Sul não tem a ver com genocídio", disse à agência de notícias Associated Press.
Esta sexta-feira, uma rádio fundada pela Agência Internacional de Desenvolvimento do EUA foi fechada pelo Serviço de Segurança Nacional do Sudão do Sul. A Eye Radio, uma das maiores estações de rádio do país, é conhecida pelas suas mensagens de unidade e paz.
O conflito na capital do país africano cresce desde julho, quando novos confrontos eclodiram na capital do país. De um lado estão as forças do Presidente Salva Kiir, composta maioritariamente por soldados da etnia dinka. Do outro, o seu rival Riek Machar, apoiado por rebeldes da etnia nuer.
Desde dezembro de 2013, o país está mergulhado em uma guerra civil que já deixou milhares de mortos e mais de 2.5 milhões de refugiados. Um acordo de paz entre Kiir e Machar, em agosto de 2015, havia assinalado esperanças pela paz, mas falhou quase um ano depois.
Refugiados
Em Yumbe, cidade próxima à Uganda, o comissário para ajuda humanitária da União Europeia (EU), Christos Stylianides, apelou aos doadores para que intensifiquem a ajuda financeira ao Sudão do Sul.
Stylianides prometeu continuar a assistência aos refugiados sudaneses do assentamento de Bidibidi e agradeceu ao governo ugandês por dar auxílio às pessoas que fogem do conflito.
O assentamento de Bidibidi tornou-se o terceiro maior campo de refugiados do mundo em agosto devido à escalada de violência no Sudão do Sul. Actualmente, vivem ali mais de 215.000 pessoas. Cerca de 2.400 novos refugiados chegam diarimente ao local.
Sudão do Sul: caos no país mais jovem do mundo
Por mais de um mês, o ex-vice-presidente Riek Machar luta com seu exército rebelde contra o Governo do Presidente Salva Kiir. Uma guerra que tem tomado contornos étnicos e já custou cerca de 10 mil vidas, segundo a ONU.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
Cidade destruída
Por mais de um mês, o ex-vice-presidente Riek Machar luta com seu exército rebelde contra o Governo do Presidente Salva Kiir. Uma guerra que tem tomado contornos étnicos e já custou cerca de 10 mil vidas, segundo a ONU. Muitos lugares foram completamente queimados. Tudo o que os habitantes da cidade de Bentiu ainda têm cabe num saco plástico.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
Soldados versus antigos companheiros
O Exército Popular de Libertação do Sudão (sigla em inglês, SPLA) pôde reconquistar cidades importantes dos rebeldes. Os soldados muitas vezes lutaram contra seus antigos camaradas. Em meados de dezembro, uma parte do exército voltou-se contra o Governo do Presidente Salva Kiir para seguir o líder dos rebeldes, o ex-vice-presidente Machar.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
De inimigos a aliados
Para vencer a luta contra os rebeldes, o Governo também se aliou a líderes de controversas milícias – como David Yau Yau, cujo exército lutou durante anos contra o Estado. Até há alguns meses, o Governo queria processar Yau Yau por crimes de guerra. Também crianças lutam no exército dele. Isso se deveria "à natureza dos conflitos no Sudão do Sul," disse Yau Yau.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
O reduto rebelde
Junto com seus aliados, as tropas do Governo querem reconquistar Malakal - a maior cidade nas mãos dos rebeldes. "As tropas de Riek Machar levam os jovens ao equívoco e recrutam meninos de 16 anos de idade", diz Simon Kun Puoch, o governador do estado do Alto Nilo. Ele teme que o conflito faça retroceder em vários anos o desenvolvimento do país.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
A violência como o único meio?
Peter Adwok Nyaba perdeu uma perna na Guerra da Independência. Desde que o Presidente Kiir dissolveu o gabinete, em julho de 2013, o ex-ministro se solidariza com os insurgentes. "No Sudão do Sul, o exército é considerado o único meio para implementar as metas," disse o político Nyaba. "Também o Presidente acredita poder resolver o conflito entre ele e seus colegas apenas por meios militares."
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
Solução política para o conflito
"Sabemos que a solução para o conflito não é militar", disse o porta-voz do exército Philip Aguer. O Sudão do Sul está numa crise política que também deveria ser resolvida politicamente. "É triste que alguns políticos tentam dividir o exército e o povo sul-sudanês para alcançar seus objetivos."
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
Uma nação dividida
Ambos os lados negociam sem sucesso há várias semanas. Enquanto isso, o conflito tornou-se cada vez mais étnico - também no exército. Akot Arech, um enviado do Presidente, visita um quartel em que 200 soldados de diferentes grupos étnicos assassinaram uns aos outros. "Isso é inconcebível", diz o político visivelmente chocado. "Como vamos reconstruir o nosso país?"
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
Em fuga
Mesmo nos campos de refugiados das Nações Unidas, os vários grupos étnicos são alojados separadamente. Especialmente entre os Dinka, o grupo étnico do Presidente, e os Nuer, ao qual pertence também o líder rebelde Machar, houve repetidos confrontos. Após ataques direcionados na capital Juba, 20.000 Nuer fugiram para o acampamento Tonping da ONU, há semanas irremediavelmente superlotado.
Foto: DW/J.-P.Scholz/A.Kriesch
O medo de novos ataques
Há meses, o professor Isaac Maet vive com sua esposa no acampamento de refugiados. Ele tem medo de novos ataques e pouca esperança de que possa, em breve, voltar a trabalhar como professor. "Se fosse apenas um conflito político, com certeza haveria uma solução", diz Maet. "Mas agora é um conflito étnico que, certamente, não será resolvido tão rapidamente."