Conselheiro do Tribunal de Angola critica violações do segredo de justiça portuguesa
15 de janeiro de 2014 A justiça portuguesa continua a investigar dezenas de cidadãos entre empresários portugueses e dirigentes angolanos ligados ao ciclo do poder, por suspeita de corrupção, fraude fiscal, falsificação e branqueamento de capitais.
A Procuradoria-Geral da República não divulga nomes por ética do segredo de justiça, mas a imprensa aponta o ministro de Estado, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, e o seu consultor Leopoldino dos Santos, entre outras figuras de topo do regime angolano.
As queixas foram apresentadas primeiro pelo académico e ex-embaixador, Adriano Parreira, e depois pelo ativista, Rafael Marques, ambos angolanos. Das averiguações, até ao momento não foram constituídos arguidos.
Na opinião de Rui Rangel, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, “dentro de uma função soberana do Estado, a justiça tem que investigar quem tiver que investigar. É assim que tem que funcionar e, portanto, a justiça não tem que receber ordens do poder político nem em Portugal nem em Angola”.
De fora ficaram os nomes de João Maria de Sousa, Procurador-Geral da República de Angola, e Manuel Vicente, vice-presidente angolano, cujos processos foram arquivados pela justiça portuguesa em julho de 2013.
O caso, badalado três meses depois na imprensa, originou um mal-estar político-diplomático entre Angola e Portugal, a ponto do Presidente angolano José Eduardo dos Santos ter decidido suspender a parceria estratégica entre os dois países, em outubro passado, pondo em causa a cimeira bilateral.
Fugas de informação ferem dignidade
Onofre dos Santos, Conselheiro do Tribunal de Angola, não se pronuncia em concreto sobre os processos em fase de investigação.
Reconhece, por outro lado, que “não se trata de nenhum julgamento, qualquer pessoa por qualquer violação de qualquer regra, de qualquer aspecto legal, pode ser objeto de uma investigação. Nessas circunstâncias devia haver o cuidado de essas coisas serem sigilosas, não se dar conhecimento”.
No entanto, Onofre dos Santos considera que as notícias então veiculadas pela imprensa portuguesa ferem a reputação e a dignidade das pessoas pela sua relevância política.
“O problema de dar conhecimento de uma situação que nem sequer tem nada de condenatório propicia nas pessoas a ideia de que alguém fez alguma coisa de errado ou muito mal ou até que possa ser considerado como um crime”, constata o Conselheiro do Tribunal de Angola.
Tratou-se de uma tempestade à volta de elementos que não têm consistência e fundamento. “De acordo com as regras da legislação portuguesa, estes factos não podiam ser conhecidos”, acrescenta Onofre dos Santos, “porque fazem parte do segredo de justiça”.
Do outro lado, “poderá haver portugueses importantes que podem porventura estar a ser investigados em Angola, mas ninguém sabe”, admite.
Tendo em conta as relações “comercial, económica e financeira entre pessoas de Portugal e pessoas de Angola, é muito provável que ou nas malhas das leis angolanas ou nas malhas das leis portuguesas, alguma coisa possa dar origem a um inquérito qualquer, a uma investigação”, afirma Onofre dos Santos.
O Conselheiro do Tribunal participou, recentemente (09.01), num debate em Lisboa sobre a justiça como serviço público em Angola e Portugal, juntamente com outras personalidades como Rui Rangel, juiz desembargador, e com Paula Teixeira Cruz, ministra da Justiça portuguesa.
Ministra da Justiça portuguesa elogia cooperação Portugal-Angola
O juiz desembargador do Tribunal de Relação de Lisboa, Rui Rangel, faz alusão ao princípio fundamental da separação dos poderes político e judicial, mas adianta, relativamente aos processos em curso, que em Portugal a justiça é igual para todos.
Rui Rangel diz desconhecer se existem outros processos em curso: “se há, eu não sei”, confessa. No entanto, caso haja, o juiz defende que é preciso preservar o princípio da presunção de inocência. “Se houver [outros processos na justiça], então o tipo de tratamento que seja completamente diferente, para bem de Portugal, de Angola, da justiça portuguesa, do princípio de separação de poderes e para bem da relação entre o poder político e a justiça em Portugal”.
Confrontada pela DW África se as relações de cooperação entre Portugal e Angola estão agora mais desanuviadas, a ministra da Justiça portuguesa , Paula Teixeira Cruz, respondeu: “eu não vou colocar a questão nesses termos”.
No entanto, a ministra refere que “a cooperação tem decorrido de forma muito intensa e, portanto, eu penso que temos de olhar para o futuro fazendo e não falando. Aquilo que nós temos de fazer é, por um lado, realçar aquilo que de positivo há e aquilo que em conjunto se consegue fazer”.
Paula Teixeira Cruz, também natural de Angola, frisou que as fugas de informação são uma preocupação no âmbito do sistema de justiça.
Em novembro passado, a propósito deste caso, a Procuradora-Geral da República, Joana Vidal, ordenou a abertura de inquéritos a possíveis violações de segredo de justiça em Portugal, cujos trâmites ainda decorrem.