Conselho de Segurança aprova fim da missão da ONU no Sudão
Lusa
2 de dezembro de 2023
ONU pôs termo à sua missão no país a pedido do Governo de Cartum. A votação do Conselho se Segurança da ONU desta sexta-feira (01.12) surge no contexto de uma grave escalada de violência no Sudão.
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O Conselho de Segurança da ONU aprovou, esta sexta-feira (01.12), a pedido das autoridades sudanesas, uma resolução que encerra o mandato da Missão Integrada de Assistência à Transição das Nações Unidas no Sudão (UNITAMS) a partir de domingo.
A resolução, que pede à UNITAMS que inicie imediatamente o processo de cessação das suas operações na "medida do possível", foi aprovada com o voto favorável de 14 dos 15 Estados-membros do Conselho de Segurança, registando-se a abstenção da Rússia.
O texto agora aprovado aponta 29 de fevereiro de 2024 como a data limite para a conclusão do processo de cessação das operações e do processo de transferência das tarefas da UNITAMS para agências, fundos e programas da ONU.
"Deixem-me ser claro: o Reino Unido não teria optado por encerrar a UNITAMS neste momento", disse o vice-embaixador britânico James Kariuki, cujo país redigiu a resolução, sublinhando a "exigência inequívoca das autoridades sudanesas para a extinção imediata" da missão.
"Reiteramos que as autoridades sudanesas continuam a ser responsáveis pela segurança do pessoal e dos ativos da UNITAMS durante esta transição e apelamos à sua total cooperação para permitir uma retirada ordenada e a transferência de tarefas, incluindo através da concessão dos vistos necessários em tempo útil", afirmou Kariuki.
O Reino Unido frisou ainda que, embora a missão da ONU para ajudar a transição democrática no Sudão tenha chegado ao fim, "a necessidade da ONU e da comunidade internacional apoiarem o povo sudanês não diminuiu".
No mês passado, o Sudão já tinha pedido ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, "o fim imediato" da missão da ONU no país, segundo uma carta distribuída ao Conselho de Segurança da ONU.
Na ocasião, embaixador sudanês disse que a UNITAMS - cujo mandato também incluía a monitorização das violações dos direitos humanos - "já não respondia às necessidades e prioridades" do país. No entanto, garantiu que Cartum "continuará a trabalhar de forma construtiva com as Nações Unidas".
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Escalada de violência
A votação desta sexta-feira (01.12) surge no contexto de uma grave escalada de violência no Sudão.
O país tem lutado com as devastadoras consequências políticas, de segurança e humanitárias dos combates que eclodiram em 15 de abril em Cartum e arredores, na sequência de divergências entre o exército e as Forças de Apoio Rápido (RSF) sobre a integração deste grupo paramilitar nas forças armadas, o que fez descarrilar o processo de transição que se seguiu ao derrube do antigo Presidente , após 30 anos no poder.
O conflito já causou milhares de mortos e mais de sete milhões de deslocados internos no Sudão, tornando-o o país africano com o maior número de deslocados internos do mundo, segundo as Nações Unidas.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.
Foto: Iancuba Danso/DW
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Na resolução aprovada, o Conselho de Segurança manifestou a preocupação face à violência persistente e à situação humanitária no país, especialmente no que diz respeito às "violações do direito humanitário internacional e às graves violações e abusos dos direitos humanos".
Apela também a "todas as partes em conflito que cessem imediatamente as hostilidades, facilitem o acesso humanitário [...] e procurem uma solução negociada para o conflito".
Segundo peritos da ONU, aviolência sexualé generalizada no Sudão, por vezes com motivações étnicas, e é utilizada como "um instrumento de guerra".
"Estamos chocados com os relatos de utilização generalizada da violência baseada no género, incluindo a violência sexual, como instrumento de guerra para subjugar, aterrorizar, quebrar e punir mulheres e raparigas", afirmaram os peritos independentes, mandatados pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, numa declaração conjunta na quinta-feira.