Responsabilização do CM pela tragédia na lixeira de Hulene
Leonel Matias (Maputo)
27 de fevereiro de 2018
Procuradoria da República na cidade de Maputo está a recolher dados para processar responsáveis pelo aluimento ocorrido na lixeira do Hulene. Jurista defende responsabilização dos culpados porque houve negligência.
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) na cidade de Maputo (Moçambique) informou que está a fazer diligências, de modo a apurar o tipo de responsabilização que pode ser imputado, na sequência do deslizamento de resíduos sólidos na lixeira do Hulene (19.02), nos arredores da capital moçambicana, que se saldou em pelo menos 15 mortos e cinco feridos.
Uma fonte do Ministério Público (MP) citada pela cadeia de televisão STV indicou que a PGR já havia alertado ao Conselho Municipal sobre o perigo eminente que a lixeira representava.Para o jurista Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública (CIP), "está-se à espera é que haja responsabilização porque houve mortes, está provado que houve negligência por parte do Município e neste caso também se fala do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural que não cumpriram com aquilo que eram as suas obrigações".
Responsabilização
O jurista Baltazar Fael acrescenta que a responsabilização não se deve cingir à questão criminal porque "pode haver responsabilidade criminal, pode haver responsabilidade civil que leva por exemplo a indemnização das pessoas que perderam a vida, pode haver responsabilidade administrativa no sentido de olhar para estas instituições e verificar se de facto cumpriram com o seu papel ou não".
Ouvido pela DW África, Baltazar Fael observou que o deslizamento da lixeira foi apenas uma situação, mas havia o perigo das pessoas que ali viviam contraírem doenças e espalhar para outros. Há uma série de situações que "não estão a ser analisadas e que não começaram hoje", afirmou.
Ele defende que a Procuradoria-Geral da República devia trabalhar com equipas multidisciplinares no levantamento de todas as circunstâncias que podem ter conduzido àquelas situações.
Lixeira brevemente encerrada Por seu lado, o Governo reconhece a urgência do encerramento daquela lixeira. Celso Correia é o ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e já anunciou que "o fecho daquela lixeira de Hulene é urgente. Não queremos avançar com datas, mas dentro do cronograma do Governo nos próximos 60 dias iremos declarar aquela lixeira encerrada".
Enquanto se constrói um aterro sanitário definitivo vai funcionar um depósito de resíduos sólidos provisório, adiantou Celso Correia falando na segunda-feira (26.02) a jornalistas.
Estão previstas outras medidas como o tratamento do lixo acumulado no atual aterro sanitário. Este local será igualmente vedado e está a ser fiscalizado para evitar o retorno das famílias que serão reassentadas.
155 famílias retiradas da lixeiraDados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGCN) indicam que, até ao momento, foram transferidas para um centro de acomodação 155 famílias que viviam próximo da lixeira do Hulene, enquanto aguardam o seu reassentamento em dois locais já localizados.
CM pode ser processado pela tragédia na lixeira de Hulene
Segundo a delegada do Instituto na cidade de Maputo, Fátima Belchior "toda a gente está sensibilizada e quanto mais cedo as pessoas forem reassentadas melhor porque elas precisam de retomar as suas vidas".
Um dos desafios deste processo de reassentamento será a criação de infraestruturas, como admitiu o ministro Celso Correia "as famílias que ocupavam as áreas em torno da lixeira viviam do negócio informal do lixo. É muito importante encontrar resposta para que elas não tenham que voltar para esta atividade".
Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Isto causa diversos problemas ambientais e sociais.
Foto: DW/Marta Barroso
Resíduos sólidos sem tratamento adequado
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Este modelo de gestão do lixo traz consigo graves problemas de diversa ordem. Entre outros a possível poluição do ar, da terra e da água. A queima descontrolada dos resíduos também causa maus cheiros e problemas respiratórios na vizinhança.
Foto: DW/Marta Barroso
Cidades cheias
Desde a independência, a urbanização em Moçambique tem sido rápida e desordenada. Em meados dos anos 1970, nem 10% da população residia em zonas urbanas. A guerra civil empurrou comunidades inteiras para os centros urbanos. Hoje, o número de citadinos é quatro vezes mais alto e em 2025, calcula-se, mais de metade dos moçambicanos viverá em zonas urbanas. Aumentam os problemas com o lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Crescimento desordenado
Em Maputo, o custo de vida aumentou de tal forma que muitos se viram empurrados para a periferia e a cidade foi-se espalhando de forma desordenada. Tal como noutras zonas urbanas, o crescimento da capital não foi acompanhado por serviços públicos. Uma das áreas com graves deficiências é o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Foto: DW/Marta Barroso
Invisíveis perante a lei
Mais de metade da população ativa de Moçambique trabalha no sector informal. Também em Hulene, a lixeira é, para muitos residentes do bairro, a única fonte de rendimento. Lá dentro, os catadores são tolerados, mas para lá dos muros, permanecem à margem da sociedade que os vê como gente falhada. Excluídos das políticas e estratégias nacionais, os catadores permanecem invisíveis aos olhos da lei.
Foto: DW/Marta Barroso
Poucos avanços na separação do lixo
A Política Nacional do Ambiente, de 1995, define a gestão do ambiente urbano e a gestão de resíduos domésticos e hospitalares como prioridade de intervenção, visando melhorar o sistema de coleta, tratamento e deposição de lixo. Mas apesar de esta legislação ter sido adotada há quase vinte anos, poucos avanços se fizeram na separação do lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Lugar de tudo
De tudo um pouco se procura, se reforma e se vende em Hulene: restos de comida, alimentos enlatados fora do prazo, retirados dos supermercados da cidade, objetos de ferro, alumínio, latão e estanho, fio de cobre de eletrodomésticos avariados, garrafas de vidro e plástico, madeira, cartão, papel, pedras, filtros de cigarro, mobília danificada, algodão, borracha, lixo hospitalar e informático.
Foto: DW/Marta Barroso
Sem espaço para reciclagem
Em Moçambique, a reciclagem é feita de forma muito limitada, normalmente no âmbito de projetos ou iniciativas individuais. Um entrave à promoção da reciclagem no país prende-se com a escassez de indústrias que usem material reciclado e, consequentemente, a escassez de mercados para a sua compra. Muitos materiais têm de ser exportados, daí que este ainda não seja um negócio sustentável.
Foto: DW/Marta Barroso
Recicla, Fertiliza e Amor
Apesar disso, há alguns projetos de reciclagem no país. Recicla, Fertiliza e Amor são alguns exemplos. O primeiro produz paletes de plástico para venda em fábricas locais de utensílios domésticos, o segundo faz adubo a partir de lixo orgânico e o último compra lixo reciclável em ecopontos na capital, Maputo.
Foto: DW/Marta Barroso
Encerramento adiado
A última previsão de encerramento da lixeira marcava o ano de 2014 como prazo para transformar Hulene em espaço verde. Agora diz-se que a lixeira só será encerrada depois de construído um aterro sanitário que deverá ser partilhado tanto pela cidade de Maputo como pela vizinha Matola e custará aos dois municípios, ao Governo e a doadores mais de 20 milhões de dólares.
Foto: DW/Marta Barroso
E o lixo aqui continuará
Até a lixeira de Hulene ser encerrada, o lixo continuará a acumular-se aos montes. Montes que, segundo o Conselho Municipal de Maputo, chegaram já a atingir os 15 metros de altura. Mesmo depois de fechada, a decomposição dos resíduos aqui depositados ao longo de tantas décadas irá levar muitos anos.