Moçambique: Estado de emergência deve ser prolongado?
29 de julho de 2020Termina nesta quarta-feira (29.07) o estado de emergência decretado pelo Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, para combater a propagação do novo coronavírus, prolongado há um mês pela terceira vez. Mas, segundo a Constituição moçambicana, o chefe de Estado já não pode voltar a estender esse período. Como na lei magna também não está previsto um "estado de calamidade", o país fica numa incógnita: O que irá Filipe Nyusi dizer ao país na comunicação à nação, às 20h00 (hora local), a partir da província de Tete?
Com o número de casos de Covid-19 a subir em Moçambique, há a necessidade de manter restrições sociais para conter a contaminação pelo novo coronavírus. A questão é que qualquer medida governamental de contenção do avanço da pandemia no país deve ter amparo na lei, e isso está a exigir alguma criatividade das autoridades. Uma vez que o poder concedido ao Presidente da República para medidas restritivas está esgotado, alguns analistas perguntam que órgãos poderiam impor novas medidas e em que diplomais legais poderiam essas medidas ser enquadradas?
"Não temos o estado de calamidade previsto, mas temos uma lei de proteção civil para casos de catástrofes - mesmo para casos que envolvam situações de saúde - que é muito usada para situações de calamidade, no sentido de traçar medidas para esses períodos em concreto", argumenta o jurista do Centro de Integridade Pública (CIP), Baltazar Fael.
Várias interpretações da Constituição
A especulação em torno do período pós-estado de emergência tem alimentado vários debates no âmbito legal.
Alguns juristas entendem que o Presidente da República, Filipe Nyusi, pode voltar a decretar o estado de emergência. O presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade, António Boene, defendeu esta quarta-feira que a Constituição permite isso, apesar de estabelecer, no artigo 284, que a medida é "prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram a sua declaração".
"É preciso fazer-se uma interpretação desapaixonada da Constituição. Temos que olhar para o momento de aplicação das normas constitucionais, qual é o sentido e o alcance que se tem em vista com estas normas", afirmou António Boene, citado pela emissora pública Rádio Moçambique.
O jurista do CIP, Baltazar Fael, admite que o estado de emergência possa ser prolongado olhando para a situação da pandemia no país, mas tudo estará nas mãos de Filipe Nyusi: "O que não se sabe é se o Presidente vai seguir por esta via ou se vai por uma situação de calamidade, porque a Constituição não fala em situação de calamidade, em que as medidas têm de claramente reduzir".
CIP faz avaliação negativa da atuação policial
Em quatro meses de estado de emergência, Fael diz que a polícia se destacou negativamente porque violou os direitos dos cidadãos - " a própria população perdeu respeito pela polícia há já muito tempo pela forma de atuação, temos de ressaltar isto".
"Esta relação já era tensa, a polícia já descarregava sobre as pessoas", continua o jurista do CIP, "e com o Estado de Emergência as pessoas ficaram mais atentas com relação à atuação da polícia."
Crise social
As ações policiais foram mais sentidas entre jovens e adolescentes. A psicóloga Odete Abrantes entende que "é normal as pessoas sentirem-se frustradas depois de um período de confinamento. E, pela mudança de rotina, acrescentando o impacto económico, a reação normal é de frustração. Ficam incapazes e sem saber o que fazer. E, na adolescência e na juventude, todos estes elementos são exacerbados pelo óbvio que são as mudanças hormonais."
Durante o estado de emergência, muita gente perdeu o emprego e a pobreza aumentou.
"A minha vida piorou, já não consigo [mais aguentar]", disse uma jovem moçambicana à DW. Outro entrevistado lembrou que o patronato teve de diminuir o número de trabalhadores "porque não se vende".
No mês passado, os bispos católicos alertaram que a pandemia da Covid-19 geraria no país uma "crise social profunda" com o aumento da pobreza, desemprego, fome, instabilidade social, criminalidade, medo e perda de qualidade de vida.