A ONG Justiça Ambiental lança petição para travar a construção da barragem de Mphanda Nkuwa. Projeto pode causar estragos ambientais em Moçambique e abrir caminho para a corrupção, adverte ambientalista Daniel Ribeiro.
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"Se for construída, a barragem de Mphanda Nkuwa irá desalojar centenas de pessoas, numa província já marcada pelos seus conflitos de terra devido a megaprojetos", começa por ler-se na petição da organização Justiça Ambiental (JA) lançada na quinta-feira (17.12) que pretende travar a construção daquele projeto hidroelétrico em Tete, centro de Moçambique.
"A barragem poderá trazer também danos irreversíveis ao ecossistema do Rio Zambeze e respetivo delta, além de impactos climáticos, sismológicos, hídricos e energéticos gravíssimos que já foram identificados por vários especialistas", acrescenta.
A JA acusa as autoridades de gerirem o projeto de forma sigilosa e obscura e anteveem prejuízos para as comunidades locais.
A DW África esteve à conversa com o ambientalista Daniel Ribeiro, da JA, para conhecer em pormenor os contornos da petição que já reuniu mais de 1.300 assinaturas.
DW África: O que motivou a petição da JA?
Daniel Ribeiro (DR): A motivação da petição está relacionada com o facto de a barragem de Mphanda Nkuwa implicar grandes impactos ambientais e sociais para as comunidades. Tem também vários riscos económicos para o país. Tendo em conta que Moçambique já está com problemas económicos graves, um projeto com custos altos e poucos rendimentos económicos em retorno é uma má decisão. Temos de começar a levantar a voz e não permitir que este projeto avance.
DW África: Acusam as autoridades de levar a cabo um projeto de forma obscura e sigilosa. Que dados vos conduzem a essa constatação?
DR: Mphanda Nkuwa é um projeto que tem um historial muito longo de dificuldades em se conseguir informação. Já houve fases que documentos técnicos não foram tornados públicos e tivemos que utilizar a lei para ter acesso à informação. Neste momento, há pouca informação. Não sabemos se vão ou não fazer um estudo de impacto ambiental novo. Não sabemos quem são os investidores, nem quais são as condições do contrato de compra e venda.
DW África: Quais seriam os impactos da barragem para as comunidades vizinhas?
DR: Os impactos são muitos e é impossível falar de todos. Claramente temos os problemas com o impacto na pesca, agricultura, o aumento da erosão e o impacto negativo no delta [do Rio Zambeze]. Mas também temos os assuntos mais técnicos que ainda não foram resolvidos como a sismologia da zona. Esta é uma área [geográfica] com várias falhas tectónicas ativas e isso pode criar grandes perigos para a barragem. Também temos a barragem da Cahora Bassa que é velha e isso pode criar danos e perigos. Temos também o problema dos sedimentos, a barragem vai travar muitos sedimentos, o que é crítico para as comunidades, mas também para o funcionamento do delta. Temos as mudanças climáticas e [a construção da barragem da Mphanda Nkuwa] vai diminuir a precipitação. Haverá menos água, mais cheias e maiores períodos de seca, ou seja, pode também haver o perigo de a barragem não atingir as metas de produção energética, o que por sua vez terá consequências económicas.
Temos vários outras preocupações relacionadas com a biodiversidade. As famílias vão ter de ser deslocadas da sua zona e as áreas indicadas [para os reassentar] não são apropriadas para a agricultura.
DW África: A Justiça Ambiental entende que este tipo de projetos pode beneficiar as elites políticas e económicas. Quais os riscos neste caso em particular?
DR: Muitas barragens falham nas suas promessas. Em princípio, quase metade não atingem as suas metas económicas e Mphanda Nkuwa parece ter os mesmos problemas que muitos destes projetos. É um projeto com valores muito altos, acima de dois mil milhões de dólares (cerca de 1,63 mil milhões de euros).
Quem beneficia é a elite, porque não faz mal se o projeto falhar. Os políticos corruptos vão criar comissões e desviar fundos. Vão ganhar financeiramente sempre que entram grandes valores num sistema corrupto como o nosso. Esse é um do tipo de problemas destes projetos muito grandes, que são difíceis de controlar e com muito pouca informação. [Construir a barragem de Mphanda Nkuwa] era criar condições para a corrupção e desvio de fundos. Os rendimentos de um projeto desta natureza são muito imprevisíveis e muitas vezes não atingem as metas.
As maiores barragens de África
Nilo, Congo, Zambeze: os rios africanos guardam grande potencial para a produção de energia. Os governos reconhecem isso e apostam cada vez mais em megaprojetos. Um panorama das maiores centrais hidroelétricas de África.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Grande Represa do Renascimento, na Etiópia
No sudoeste da Etiópia, está a ser erguida aquela que será a maior barragem de África. A construção da Grande Represa do Renascimento começou em 2011 e deve ser concluída em 2017. A barragem localiza-se perto da fronteira com o Sudão, no Nilo, e terá uma potência de 6.000 megawatts (MW). O reservatório será um dos maiores do continente, com capacidade para armazenar 63 quilômetros cúbicos de água.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Represa Alta de Assuão, no Egito
A Represa Alta de Assuão é atualmente a barragem mais potente de África. Está localizada perto da cidade de Assuão, no sul do Egito. O lago atrás da barragem pode armazenar até 169 quilómetros cúbicos de água. Seu maior afluente é o Rio Nilo. As turbinas têm uma capacidade de 2.100 megawatts. A construção durou onze anos e a inauguração foi em 1971.
Uma das maiores barragens do mundo está localizada na província de Tete. A hidroelétrica Cahora Bassa, no rio Zambeze, tem uma potência de 2.075 megawatts, pouco menos que a Represa Alta de Assuã, no Egito. A maior parte da energia gerada é exportada para a África do Sul. No entanto, sabotagens durante a guerra civil impediram a produção de eletricidade por mais de dez anos, a partir de 1981.
Foto: DW/M. Barroso
Represa Gibe III, na Etiópia
A barragem Gilgel Gibe III fica 350 quilômetros a sudoeste da capital etíope, Addis Abeba. Foi concluída em 2016 e pode gerar um máximo de 1.870 megawatts, tornando-se a terceira maior barragem em África. A construção durou quase nove anos e foi financiada a 60% pelo Banco de Exportação e Importação da China, China Exim Bank.
Foto: Getty Images/AFP
Kariba, entre a Zâmbia e o Zimbabué
A barragem de Kariba fica na garganta do rio Zambeze, entre a Zâmbia e o Zimbabué. Tem 128 metros de altura e 579 metros de comprimento. Cada país tem sua própria central eléctrica. A estação norte, da Zâmbia, tem capacidade total de 960 megawatts. A estação sul, do Zimbabué, tem capacidade total de 666 megawatts. As obras de expansão em 300 megawatts começaram em 2014 e devem terminar em 2019.
Foto: dpa
Inga I e Inga II na RDC
As barragens Inga consistem de duas represas. Inga I tem capacidade para produzir 351 megawatts e Inga II, 1424 megawatts. Foram encomendadas em 1972 e 1982, como parte do plano de desenvolvimento industrial do ditador Mobutu Sese Seko. Mas, atualmente, atingem apenas 50% de seu potencial energético.
Foto: picture-alliance/dpa
Inga III
Inga I e Inga II localizam-se perto da foz do rio Congo e ligadas às cataratas Inga. O governo congolês já planeia o lançamento de Inga III, com custo de 13 mil milhões de euros e capacidade de 4.800 megawatts. Juntas, as três barragens seriam a central hidroelétrica mais potente de África.
Merowe no Sudão
O Sudão também depende fortemente de energia eólica com duas grandes barragens no país: Merowe no Rio Nilo (na foto) tem uma capacidade de 1.250 MW e foi construída por uma empresa chinesa. Ainda maior é a barragem de Roseires no Nilo Azul, que desde a sua construção em 1966 foi várias vezes ampliada e conta atualmente com turbinas que têm uma potência total de 1.800 MW.
Foto: picture-alliance/dpa
Akosombo, no Gana
A oitava maior barragem de África é Akosombo, no Gana. Construída na garganta do Rio Volta, a represa teve como resultado o Lago Volta - o lago artificial do mundo, com área de 8.502 quilómetros quadrados. As seis turbinas têm uma capacidade combinada de 912 megawatts. Além de gerar eletricidade, a barragem também protege contra inundações.
Foto: picture-alliance / dpa
Represa Tekezé, na Etiópia
Outra represa grande de África está localizada na Etiópia. A barragem Tekeze encontra-se entre as regiões de Amhara e Tigré. Apesar de seus impressionantes 188 metros de altura, a capacidade máxima da hidrelétrica é de 300 megawatts e, assim, apenas um vigésimo da potência da Grande Represa do Renascimento. A represa entrou em funcionamento em 2009.