Especialista angolano diz que a oposição tem uma "oportunidade de ouro" para controlar as eleições gerais deste mês. Ativistas preparam-se para fiscalizar escrutínio em várias assembleias.
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Agostinho Sikato, diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, considera que a contagem paralela dos votos seria uma forma de garantir a transparência nas eleições gerais angolanas de 23 de agosto.
"Eu acho que os partidos políticos têm uma oportunidade de ouro, que é fazer a contagem paralela", diz Sikato em entrevista à DW África, recomendando ainda à oposição uma "solidariedade de cobertura".
"Isso significaria que, nos lugares onde um determinado partido não estivesse presente, o seu delegado poderia ser representado por um outro partido. Estou exatamente a falar dos partidos da oposição", explica. O objetivo seria "garantir a lisura e transparência do processo e o melhor controlo."
Comissão Eleitoral
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola assegura a transparência e fiabilidade do processo eleitoral. Segundo a Comissão, depois de os votos serem contados nas assembleias de voto, as urnas serão transportadas para as comissões municipais eleitorais em sacos invioláveis e os resultados serão enviados por fax para as comissões provinciais e para a CNE.
Ainda assim, o politólogo Agostinho Sikato defende que, para melhorar a fiscalização do processo eleitoral, é preciso um maior envolvimento da sociedade civil no controlo dos votos à boca das urnas. As ONG, por exemplo, teriam um papel importante a desempenhar.
"O que mais me preocupa neste momento é a ausência das ONG. Parece-me que foram colocadas numa plataforma […] Nas eleições anteriores, tinham mais força. A mesma luta que os partidos políticos estão a fazer agora devia ser feita pelas ONG", diz.
Contagem paralela trará "mais transparência" às eleições
Ativistas prometem fiscalizar
O autodenominado "Movimento Revolucionário" promete ficar em várias assembleias, a 23 de agosto, para controlar os votos. Segundo o ativista Nito Alves, já foram mobilizados muitos cidadãos para fiscalizar o escrutínio.
"Estamos a usar dísticos, panfletos, t-shirts, comentários no Facebook, textos na internet e artigos e comunicados de imprensa. Também estamos a fazer mobilização porta-a-porta em cada residência do cidadão. O grupo está qualificado e conta com a Fundação 27 de Maio."
O "Movimento Revolucionário" espera fazer a fiscalização nas províncias de Luanda, Huambo, Cabinda, Benguela, Uíge e Lunda Norte.
No passado, os resultados eleitorais foram questionados várias vezes pela oposição angolana e pela comunidade internacional. O polítologo Agostinho Sikato espera que o escrutínio de 23 de agosto seja livre e justo. Espera ainda que os perdedores reconheçam os resultados das eleições.
"Eu gostaria de ver abraços nestas eleições. Depois de se anunciar os resultados, eu gostaria de ouvir candidatos dizer que telefonaram ao colega que ganhou as eleições", concluiu Sikato.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.