O ator são-tomense Ângelo Torres, com mais de 20 anos de carreira, é homenageado este fim de semana em Portugal devido ao seu trabalho nas artes. Ele, contudo, reconhece que o sucesso de atores negros ainda é limitado.
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O ator Ângelo Torres "atravessou o deserto e atingiu a ribalta" no teatro e nos meios audiovisuais portugueses, com participações em vários projetos televisivos. Um deles é a novela luso-angolana "A Única Mulher", onde se destaca encarnando a figura de "Norberto".
O jovem são-tomense é um caso de sucesso entre os atores africanos em Portugal, que muitas vezes encontram barreiras diversas para serem reconhecidos. Pelo seu desempenho, artistas africanos e o poder local decidiram homenageá-lo este fim de semana na Festa Multicultural da Baixa da Banheira, nos arredores de Lisboa, pelo trabalho que tem vindo a desempenhar ao longo da sua carreira nas artes.
Na verdade, Ângelo Torres nasceu na Guiné Equatorial em 1966. Filho de pais são-tomenses. Viveu em Espanha e se formou em Engenharia Termodinâmica pelo Instituto Lázaro Cardenas, em Cuba. O pai, um comunista ferrenho, decidiu enviá-lo para Cuba para ser engenheiro, com tendências de esquerda; mas foi o próprio pai que desejou ver o filho em Portugal para que o curso tivesse equiparação num país capitalista. Foi daí que optou por instalar-se em Lisboa, embora o desejo fosse viver em São Tomé e Príncipe, onde esteve apenas quatro anos.
Fez o curso de Artes Performativas na Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espectáculo, o conhecido Chapitô. Frequentou antes o Conservatório, sem sucesso.
Oportunidade na arte
"A minha vida é um livro aberto", afirma o ator em entrevista à DW. Ele estreou no teatro em 1991, na peça a "Missão", de Heine Müller, encenada por Luís Miguel Cintra. Mas, a primeira incursão no teatro foi um mero acaso, por impulso de um amigo são-tomense, Quintero Aguiar, que fez a adaptação de uma peça das ilhas, "Camarada Morto", experimentada na Estefânia.
Com efeito, costuma dizer taxativamente que "foi atropelado pelo teatro" pelas mãos do ator português João Grosso. Na altura estavam à procura de atores negros para a série televisiva "Café de Ambriz", realizada por Jaime Campos.
Embalou-se perante o desafio. Para ele, tinha começado a maratona. Todos os dias era posto à prova no processo de afirmação como ator, num mercado dominado por atores brancos. Atento às transformações sociais ao longo destes anos, repara que Portugal está a mudar até neste aspeto por ser hoje um país multicultural e multi-étnico. "Aquele chavão que se criou nos anos 90 de que 'somos todos diferentes, mas todos iguais' foi um grande erro", recorda.
Do teatro para a televisão
Ao longo da caminhada, lembra vários episódios que marcaram os primeiros anos da sua carreira. Na primeira das "travessias do deserto", quase queria desistir do teatro. Superou a dor e usou todas as técnicas e o conhecimento do meio para tirar disso proveito, vindo daí a descobrir a sua faceta de realizador.
Viria a dar o salto e abraçar o desafio que lhe foi lançado a nível da TV, participando em séries e novelas, com a ajuda de vários atores portuguesas da altura. Em "A Única Mulher", recém exibida pela televisão independente TVI, Ângelo Torres dá vida ao personagem "Norberto".
É igualmente protagonista com o angolano Miguel Hurst no mais recente filme de Jorge António, "A Ilha dos Cães", que fala do pesadelo colonial lusitano em África. A produção, que entrou este ano no circuito dos cinemas portugueses, conta também com a prestação de outros atores africanos.
"O papel aplaudido por muitos espetadores foi desafiador, mas estava à espera de uma maior repercussão junto do público", desabafa, para acrescentar: "continuamos a ser invisíveis, sobretudo para a grande imprensa", remata, a pensar nos companheiros que não alcançaram o mesmo patamar que ele. "Sou uma exceção. As coisas não mudaram muito para os meus colegas", revela.
Reconhecimento
Só agora, depois de vinte anos de carreira, começou a sentir o reconhecimento por parte do público pelo seu percurso. E diz com orgulho: "sou dos poucos atores em Portugal que faz cinema, teatro e televisão, com prémios nacionais e internacionais".
Reconhece que é dos que menos razão de queixa tem. Mesmo assim, ainda não se sente um ator realizado, muito por culpa própria. Por isso, decidiu ser mais pró-ativo em grupo, que viria a criar a GRIOT, associação cultural que congrega não só atores africanos.
Como realizador, possui uma extensa filmografia, que lhe permitiu desenvolver uma excelente carreira ao nível internacional.
Este domingo (25.06), Ângelo Torres é homenageado no encerramento das Festas Multiculturais 2017, na Baixa da Banheira e Vale da Amoreira (freguesias da Moita), em reconhecimento ao trabalho que tem vindo a desenvolver ao longo da sua carreira no mundo das representações teatrais e da televisão. É visto como um dos casos de sucesso nos meios portugueses por ter conquistado espaço próprio, destacando-se entre os atores africanos de língua portuguesa que se esforçam também para se afirmarem como tal.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.