Contribuição das mineradoras continua a ser uma miragem
Sitoi Lutxeque (Nampula)
20 de setembro de 2018
Organizações da sociedade civil na província moçambicana de Nampula criticam a fraca contribuição das empresas multinacionais na melhoria das condições de vida das populações. O desemprego e a precariedade continuam.
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Em Nampula, no norte de Moçambique, existem duas multinacionais que exploram areias pesadas: a mineradora chinesa Haiyu Mozambique Mining Limitada, que opera na localidade de Sangache, no distrito de Angoche, e a irlandesa Kenmare, que se instalou na localidade de Topuito, no recém-criado distrito de Larde, outrora Moma.
As duas mineradoras já estão há cerca de 10 anos a operar nestas regiões, mas os resultados em termos de benefícios para as populações são ainda questionáveis pelas organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com as populações locais na defesa de boa governação e dos recursos naturais.
"O que é que está a ser feito para garantir que haja capacidade local para que essas comunidades possam prestar serviços básicos de carpintaria, serralharia, pedreira entre outros aspectos para aquelas empresas? Zero. No caso de Angoche não existe essa visão", responde Jordão Matimula, diretor-executivo da Associação Nacionai de Extensão Rural (AENA).
Matimula recorda que a mineradora chinesa Haiyu Mozambique Mining entregou, entre 2012 e 2016, cerca de um milhão e quinhentos mil dólares ao Governo para apoiar as comunidades.
Benefício das comunidades "é só marketing"
À semelhança da mineradora chinesa, a Kenmare, que explora as areias pesadas em Topuito; é questionada sobre o seu contributo paa as comunidades; tendo em conta o nível de produção e inserção no mercado na comercialização dos seus produtos.
Contribuição das mineradoras continua a ser uma miragem
"Parece que se vê só um lado que é o económico, que beneficia as próprias empresas, porque como contribuição ao nível da receita pública é questionável, olhando para os contratos que existem", afirma António Mutoua, diretor-executivo da Solidariedade Moçambique. "O benefício das comunidades tem sido apenas marketing, no lugar da responsabilidade social. Não existe contrato social", critica.
Em Moçambique, existe uma política nacional sobre responsabilidade social empresarial, mas não tem caráter obrigatório, segundo as organizações da sociedade civil, o que faz com que o nível de contribuição das empresas seja ainda uma miragem.
Desenvolvimento não é para todos
Na localidade de Topuito, a DW África conversou com Saíde Ussene, um jovem que nasceu e reside onde opera a mineradora Kenmare. Diz que há desenvolvimento na região, mas este não é para todos. Ele afirma que já tentou, mas ainda não consegiu arranjar emprego na Kenmare, porque "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos".
O boom do carvão em Moçambique
05:11
"A Kenmare, apesar de estar a explorar areias pesadas e vender noutros países, faz muitas promessas que não cumpre. Principalmente, enganou-nos na construção da ponte sobre o rio Larde e já vão mais de três anos e não estamos a ver nada. Nós passamos muito mal para a travessia. A empresa prometeu escolas, hospitais, e não cumpre tudo o oque prometeu", lamentou.
A Kenmare nega que não está a fazer nada para o desenvolvimento das comunidades, mas admite que é impossível resolver todos os problemas, devido a dificuldades na produção e comercialização dos minérios no mercado internacional aliada à crise que o mundo ainda atravessa.
"Veio a energia com a fábrica, veio comunicação e isto tudo ajuda a potenciar o desenvolvimento local", diz Regina Macuacaua, responsável pela área social na mineradora. "Concordamos que ainda é muito cedo e há muita coisa que tem de ser feita, mas a verdade é uma: quem é o motor do desenvolvimento somos todos nós [as comunidades] e cabe-nos a nós sermos a força motriz do nosso desenvolvimento", acrescenta.
De acordo com Regina Macuacua, tendo em conta a política de responsabilidade social, a mineradora irlandesa criou um grupo liderado pelas próprias comunidades que têm desenhado as prioridades juntamente com a mesma.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.