Coronavírus: "Ainda só estamos no início da crise"
1 de abril de 2020Albrecht Ritschl é professor de História Económica e dá aulas na London School of Economics desde 2007. Nesta entrevista exclusiva à DW, o historiador analisa os principais efeitos das crises mundiais, como a que se assiste agora com a pandemia de Covid-19. "As perspetivas são sombrias e dependem de quanto tempo irão durar as medidas de quarentena", afirma o especialista.
DW: É historiador e estuda crises económicas. Em poucas palavras, quais são as principais características de uma crise económica?
Albrecht Ritschl (AR): Queda na procura, baixa produção, desemprego em massa, crise financeira e depois ocorre muitas vezes uma crise de dívida pública.
DW: Em que ponto estamos na atual crise económica?
AR: Ainda só estamos no início da crise. Pode ficar tão má como a Grande Depressão do início da década de 1930. Uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 20% também não está totalmente fora de questão. As perspetivas são sombrias e dependem de quanto tempo irão durar as medidas de quarentena.
DW: A economia está praticamente congelada, uma vez que quase todas as atividades pararam. Isto já aconteceu antes?
AR: Qualquer comparação pode ser enganadora. A que mais se aproxima é a comparação com economias de guerra. Durante as guerras mundiais, restaurantes, pequenas lojas e oficinas estiveram fechadas em todo o lado. O motivo era naturalmente libertar recursos para a economia de guerra. Não temos isso agora, essa é a grande diferença. No entanto, já podemos dizer que algumas áreas podem encolher como aconteceu durante guerras. Em alturas como essas, certos setores económicos chegaram a diminuir 70%.
DW: Quanto tempo pode durar este impasse económico?
AR: É claro que todos nós nos perguntamos quando seremos atingidos pela escassez de alimentos ou quando haverá agitação social. E já vemos políticos em todo o mundo a entrar em pânico. Vemos isso mais claramente no caso do Presidente americano: ele está a tentar salvar a sua pele ao prometer alavancar a economia novamente depois da Páscoa. Ninguém sabe como teve essa ideia, mas muitas vezes o cálculo político funciona de forma diferente da opinião de um especialista.
DW: Será que o Estado tem o poder de moldar a política económica em tais situações?
AR: O que vemos agora a nível internacional é a questão do chamado "dinheiro de helicóptero" [dar dinheiro diretamente aos consumidores], como por exemplo, nos EUA. Mas os subsídios pagos na Alemanha para compensar parcialmente a redução dos salários não passam disso mesmo. Foi algo que também se fez durante as guerras mundiais e é basicamente uma tentativa de extinguir um incêndio financeiro. É uma reação, mas sem nenhum poder real de moldar a economia. A grande questão está nas medidas de contenção e nos seus efeitos. A cura é pior do que a doença? Atualmente é esse o tema de um debate bem aceso.
DW: Atualmente, os países estão a gastar muito dinheiro. A inflação será um resultado inevitável?
AR: Não se sabe se isso vai realmente acontecer. Todos os economistas previram isso para o período após a crise financeira em 2008. E afinal enganámo-nos, incluindo eu próprio. O que quero dizer é que, de facto, não sabemos. Mas, e correndo o risco de nos voltarmos enganar, o risco existe.
DW: Mas como é que as crises mudam a economia?
AR: O principal efeito são as mudanças industriais e setoriais nas nossas formas de trabalho. O exemplo típico é o que estamos a fazer neste momento: trabalho em casa. Posso muito bem imaginar que, em grande parte, esta forma de trabalho vai continuar. Todas as grandes guerras, todas as grandes crises levaram a uma mudança na nossa forma de trabalhar.
DW: Pode dar um exemplo?
AR: A I Guerra Mundial. O aumento da mão de obra feminina, o reconhecimento dos sindicatos e da jornada de trabalho de oito horas, a aplicação do sufrágio universal. Depois da II Guerra Mundial, assistimos à concretização da produção industrial em massa, à ascensão da sociedade de consumo, ao acesso das massas a uma educação melhor. Estes são todos exemplos de mudanças após crises económicas.
DW: Existem fatores que ajudam na recuperação de uma crise?
AR: A verdadeira força motriz na recuperação de uma crise é a dívida pública. Se um país tinha um nível relativamente baixo de endividamento antes do início da crise e, portanto, também tinha opções em matéria de política fiscal, então poderá sair dessa crise mais facilmente e de forma mais rápida. Os países onde esse não é o caso geralmente acabam por ter dificuldades com o descontrolo da dívida pública no fim de uma crise. O sul da Europa após a crise financeira de 2008 é um exemplo clássico e voltará a ser.
DW: Diria, então, que a Alemanha está bem preparada?
AR: Através da sua polémica política de endividamento zero, a Alemanha preparou-se para poder agora aplicar contramedidas em grande escala. Nesse aspeto, o país está numa posição muito boa. Mas a Alemanha também tem o problema de estar mais interligada internacionalmente do que a maioria das grandes economias.