Coronavírus e crise do petróleo ameaçam economia angolana
Marina Oliveto | Lusa
11 de março de 2020
Agência de notação financeira prevê fuga de capitais de África e vulnerabilidade de grandes exportadores de petróleo como Nigéria e Angola. Analistas falam em desvalorização do kwanza e inflação a longo prazo em Angola.
Publicidade
A agência de notação financeira Fitch considerou nesta quarta-feira (11.03) que o surto do novo coronavírus aliado à descida dos preços do petróleo pode originar uma fuga de capitais de África - onde os governos já enfrentam dificuldades e, especificamente, Angola tem previsões económicas negativas.
"O sentimento sombrio não afeta apenas o financiamento nos mercados internacionais, mas também pode levar à saída de investimentos e de capitais em regiões onde há investimentos em moeda local", disse o analista Mahmoud Harb à agência de informação financeira Bloomberg
Nigéria e Angola são os principais exportadores de petróleo da África subsaariana e por isso estariam especialmente vulneráveis à guerra de preços do crude entre Rússia e Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) combinada ao surto de coronavírus.
O petróleo perdeu 25% do valor na segunda-feira (09.03) depois de os principais produtores terem discordado sobre cortes à produção para equilibrar a redução da procura motivada pela propagação da Covid-19. O petróleo Brent passou de 55 dólares (48 euros) o barril para 33 dólares (29 euros). Foi a maior queda desde o final da Guerra do Golfo, em 1991.
Os investidores estrangeiros já venderam 1,2 mil milhões de dólares (1,05 mil milhões de euros) de títulos de dívida da África do Sul este mês e - ao contrário da crise de 2014, que empurrou os produtores de matérias-primas para uma recessão - agora os países africanos estão sem espaço para aumentar a despesa pública.
E agora, Angola?
No relatório publicado nesta quarta-feira, a Fitch - que na semana passada reduziu o 'rating' de Angola devido à descida de preços e produção de petróleo e ao aumento da dívida pública - publicou que "Angola tem pouca margem orçamental para resistir a um choque".
"A descida da notação de Angola reflete o impacto da produção mais baixa de petróleo, com preços mais baratos, e uma queda maior que o antecipado do kwanza, o que aumentou os níveis de dívida pública e os custos de servir a dívida externa. Ao passo que os níveis das reservas internacionais também caíram", escreveram os analistas da agência.
Além da fuga de capitais, analistas projetam que a combinação do surto com a "guerra" entre Rússia e Opep poderá levar à diminuição das receitas do país, que é dependente das exportações de petróleo.
Para o economista angolano Carlos Rosado de Carvalho, não há "remédios económicos" para o coronavírus, que reduz a atividade produtiva e, de alguma maneira, "sequestra as pessoas" porque elas só podem sair de casa para ir para o trabalho.
"Isto significa que a redução da atividade económica vai eventualmente provocar uma recessão. Se o Banco Central crescer as taxas de juros, também isso não tem efeito nenhum na atividade econômica. O coronavírus vai fazer com que todos os pilares da atividade económica possam ruir e não há remédio para isso."
Impacto no petróleo angolano
Segundo o diretor executivo da PetroAngola, Patrício Quingongo, as medidas de prevenção contra a doença têm levado à redução da produção de petróleo.
Coronavírus e crise do petróleo ameaçam economia angolana
"O coronavírus ou Covid-19 tem afetado a oferta por causa da mobilidade global que está a ser prejudicada. Há já restrições a nível de fronteiras e muitas plataformas a nível internacional estão a ficar offlines por falta de trabalhadores ou nos casos em que há uma contaminação onboard".
Na semana passada, o ministro da Economia e Planeamento de Angola, Sérgio Santos, previa um saldo "muito negativo" no primeiro trimestre deste ano por causa do coronavírus. Mas, citado pela agência Lusa, Santos disse acreditar numa reversão do cenário nos próximos meses.
"Estamos a viver agora os feitos de uma crise que esperamos que seja passageira, mas cujos efeitos não eram esperados no início do ano. E vamos senti-los ainda durante todo ano”.
Segundo o economista Carlos Rosado de Carvalho, a longo prazo, se o preço do petróleo continuar baixo, a moeda poderá desvalorizar e a vida dos angolanos ficará mais difícil.
"Um barril do petróleo na casa dos 30 dólares significa a desvalorização do kwanza, e, por essa via, teremos preços mais altos em Angola, elevando a inflação - o que naturalmente corrói o poder de compra. Se os preços do petróleo estiverem mais baixos, isso pode criar problemas graves de natureza social", avalia.
China em África: maldição ou benção?
A China quer mudar a sua imagem: de país explorador das matérias-primas africanas, para agente de desenvolvimento. Fazemos uma viagem pela história das relações sino-africanas.
Foto: AFP/Getty Images
Parceiros igualitários?
A China leva estradas asfaltadas, grandes estádios de futebol e internet de banda larga para África. Ao mesmo tempo, pede ao continente petróleo e outras matéria-primas. A China já é o maior parceiro comercial de África. Até 2020, o país pretende duplicar o volume de negócios para 400 mil milhões de dólares. Os críticos temem que haja apenas um vencedor nestes negócios: a China.
Foto: Getty Images
TAZARA: o primeiro grande projeto
A cooperação sino-africana começou nos anos 50 e 60. Como sinal da fraternidade socialista, a China financiou a construção de uma linha ferroviária que transportava o cobre da Zâmbia para a cidade portuária da Tanzânia, Dar es Salaam. O projeto baseava-se na amizade inter-étnica e no trabalho solidário. A ferrovia chamda TAZARA " Tanzania-Zambia Railway" funciona até aos dias de hoje.
Foto: cc-by-sa-Jon Harald Søby
Chegaram para fazer negócios
Com a estratégia "Go Global", na década de 90, o Governo chinês muda a sua política para África, começando a apoiar empresas do próprio país a fazerem negócios com o continente. O objetivo: proteger os recursos naturais estratégicos e promover o desenvolvimento económico da China. Ou seja, ter África como um parceiro de negócios e mercado para os bens de consumo chineses.
Foto: AP
Críticas do Ocidente
Com a nova política, a China garante para si campos de petróleo e as minas de metais preciosos, não tendo medo de trabalhar com regimes autoritários e corruptos. O país não é bem visto na Europa e nos Estados Unidos. A China só estaria interessada na exploração de recursos naturais, mas não no bem das pessoas, é a crítica do Ocidente.
Foto: picture-alliance/Tong jiang
Infraestruturas como moeda de troca
A China também faz negócios com o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, procurado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio. O país está a tornar-se o mais importante investidor na indústria de petróleo sudanês. Além disso, a empresa chinesa de petróleo estatal financia a construção da barragem de Merowe, no norte do Sudão.
Foto: picture-alliance/dpa
Oferta de 150 milhões de euros à União Africana
As boas relações com a África são bem pagas pela China. Em 2012, o país financiou a construção da sede da União Africana, em Adis Abeba. "A China vai ajudar os países africanos a ampliar a sua força e independência", disse o chefe da delegação chinesa na cerimónia de abertura.
Foto: Imago
Líder do mercado de telecomunicações
Duas empresas chinesas dominam o mercado africano de telecomunicações: a ZTE e a Huawei. Foi a essas empresas que Governos de todo o continente fizeram as suas grandes encomendas. Na Etiópia, a Huawei e a ZTE constroem uma rede de 3G para todo o país por 1,7 mil milhões de dólares. Na Tanzânia, empresas chinesas instalaram cerca de 10 mil quilómetros de cabos de fibra ótica.
Foto: AFP/Getty Images
Concorrentes desagradáveis
As esperanças de melhores oportunidades em África não atraem apenas as grandes empresas, mas também milhares de cidadãos comuns chineses . Eles abrem pequenas lojas onde vendem produtos chineses baratos: utensílios de cozinha, jóias, dispositivos elétricos. "Muitos comerciantes africanos não estão satisfeitos com a nova concorrência", diz o economista queniano David Owiro.
Foto: DW/J. Jaki
À espera de novos postos de trabalho
Seja no comércio de retalho ou na construção de estradas "os africanos raramente lucram com investimentos chineses. As empresas trazem os seus próprios trabalhadores", diz Owiro. Agora, na África do Sul, onde a China acaba de inaugurar uma fábrica de camiões, isso pode mudar. O Governo sul-africano elogia o projeto como um marco para a industrialização africana e espera novos postos de trabalho.
Foto: Imago
De exportador a agente de desenvolvimento?
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ofereceu dois mil milhões de dólares para um fundo de desenvolvimento para África durante a sua visita ao primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn, em maio de 2014. A liderança chinesa quer abrir um novo capítulo nas relações China-África, passando de país explorador das matérias-primas para agente de um desenvolvimento sustentável.
Foto: Reuters
Medo pela reputação
"A China teme pela sua reputação no mundo", diz Sun Yun do centro de pesquisa norte-americano "Brookings". As alegações nos média de que a China só estaria interessada nas matérias-primas de África levaram a esta mudança. O Governo publicou recentemente uma lista dos programas de ajuda ao desenvolvimento, que inclui 30 hospitais, 150 escolas, 105 projetos de energia e água renováveis.
Foto: AFP/Getty Images
O charme chinês
Para promover a sua missão em África, a China lançou uma grande campanha mediática. Os meios de comunicação do Governo para o estrangeiro focam claramente os negócios, África é retratada como o continente próspero. Algo que contrasta com décadas de cobertura negativa dos meios de comunicação ocidentais.