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Direitos HumanosGuiné Equatorial

Corrupção na Guiné Equatorial aumentou desde entrada na CPLP

Lusa
3 de junho de 2021

A corrupção na Guiné Equatorial aumentou desde a entrada do país na Comunidade de Países de Língua Portuguesa, conclui um relatório que detalha vínculos da família Obiang com empresas e políticos nos países lusófonos.

Portugal CPLP Flaggen
Foto: João Carlos/DW

"A participação da Guiné Equatorial na CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa] aumentou objetivamente a corrupção, que permeia ou encontra refúgio confortável noutros países lusófonos", conclui o trabalho, que resulta de uma parceria entre o jornal equato-guineense Diário Rombe e a organização não-governamental EG Justice, com sede em Washington e dedicada à promoção dos direitos humanos e da boa governação naquele país da África subsaariana.

A investigação aborda em detalhe "os tentáculos" da família do Presidente Obiang, no poder há mais de 40 anos, em Portugal, Brasil, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, assinalando que contribuíram para a queda de quatro pontos no Índice de Percepção da Corrupção da Guiné Equatorial nos últimos anos.

Aponta, por outro lado, o aumento das violações dos direitos humanos no país desde 2014, quando aderiu à CPLP, e assinala que "o principal compromisso assumido como condição prévia para a admissão, a abolição da pena de morte, continua por cumprir".

"É evidente que os estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ou a organização em si decidiram ignorar completamente a pena de morte" na Guiné Equatorial, disse à agência Lusa o diretor da EG Justice, Tutu Alicante. 

Para o ativista, este "fechar de olhos" às questões dos direitos humanos só pode ser explicado pelos ganhos financeiros que estes países estão a conseguir.

"Não se explica de outra maneira que sobre um país tão corrupto e tão conhecido pelas violações dos direitos humanos, na CPLP ninguém diga absolutamente nada. Desde que a Guiné Equatorial entrou na CPLP, milhares de milhões foram diretamente para empresas portuguesas ou brasileiras de construção", disse.

"Nota-se claramente que, desde que a Guiné Equatorial decidiu aderir à CPLP, os vínculos entre membros do Governo e membros de governos e políticos influentes ou empresas de vários países cresceu exponencialmente", acrescentou.

Relações com Moçambique e Guiné-Bissau

Murade MurargyFoto: imago/Global Images

Tutu Alicante apontou também o crescimento das relações com Moçambique, onde um dos filhos de Obiang casou com a filha do secretário executivo da CPLP à altura da admissão do país na organização, Murade Murargy, bem como o facto de um dos maiores hotéis da Guiné-Bissau pertencer à família do Presidente Obiang.

"Claramente, tem alguma coisa a ver com os investimentos económicos nesses países, que se faça 'vista grossa' nos temas dos direitos humanos e da corrupção", sublinhou.

O diretor das EG Justice denuncia também "a realidade por detrás da farsa das conferências internacionais" para "lavar a imagem" do regime, numa referência à recente cimeira de empresários da CPLP, no início de maio, em Malabo.

"É para dar a ideia à comunidade internacional que se pode investir na Guiné Equatorial, só que uma vez que investes, se não estás em comunhão ou ligado a alguém do Governo, acabas por perder todas as tuas riquezas", disse.

Recordou que há vários exemplos de empresários espanhóis, italianos e de outros países europeus que acabaram nas cadeias do país quando recusaram pagar à família de Obiang ou a membros do Governo.

"Um terço tem de ir para um membro da família Obiang. São estas realidades que se escondem detrás de toda a farsa das conferências internacionais", disse, condenando a "cumplicidade" dos empresários com estas práticas. 

"Sabem que vão perder muito dinheiro na corrupção, mas acabam por ganhar muito mais porque a corrupção na Guiné Equatorial permite maneiras de ganhar muitíssimo dinheiro", acrescentou.

Relações com Portugal

O fundador e ativista da organização, que vive nos Estados Unidos, explicou que o relatório tentou detalhar "capítulo a capitulo, olhando para os diferentes países", essas ligações que, no caso concreto de Portugal, são sobretudo através de empresas. 

"Talvez Portugal seja dos países em que menos vínculos há entre políticos portugueses e políticos equato-guineenses. O que encontramos são vínculos de empresas portuguesas que, devido à entrada da Guiné Equatorial na CPLP, aumentaram a sua presença económica e financeira no país", disse.

Como exemplo, Tutu Alicante citou a recente investigação do jornal português Expresso com o consórcio OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project) sobre um alegado esquema de corrupção que envolve o atual ministro das Minas e Hidrocarbonetos e filho do Presidente, Gabriel Obiang, e a empresa portuguesa Armando Cunha.

Foto: DW/C. Vieira Teixeira

"Diferentemente do Brasil ou de Moçambique, onde há vínculos com políticos, o que encontramos em Portugal são vínculos com empresas", disse, aludindo também aos investimentos de uma das filhas de Obiang, Francisca Nguema Jimenez, que preside à agência pública GE Proyetos.

"Criou empresas que lhe permitiram transferir dinheiro para Portugal. Ao nível do Governo português talvez não haja tanta aceitação, mas isso não impediu a Guiné Equatorial de usar as empresas portuguesas para investir e, inclusive, lavar dinheiro", disse Alicante.

"Vista grossa"

Neste contexto, o ativista questiona se o sistema judicial e os organismos anticorrupção "querem investigar verdadeiramente de onde vêm os fundos das pessoas politicamente expostas", adiantando que existem outros exemplos como o da empresária angolana Isabel dos Santos.

"Há uma falha das instituições anti-corrupção e de um sistema judicial que talvez esteja a fazer 'vista grossa' enquanto os bancos e as empresas de Portugal são usados para lavar dinheiro", reforçou.

No mesmo sentido, Tutu Alicante considerou "anormal" que o vice-presidente da Guiné Equatorial e filho do Presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como 'Teodorín', tenha sido detido no Brasil, com relógios e dinheiro no valor de 16 milhões de dólares e que não tenha havido por parte da CPLP nenhuma "declaração contra esse tipo de corrupção transnacional".

"Há vista grossa à corrupção e aos direitos humanos, incluindo a pena de morte", disse.

Semanas da cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, em julho, em Luanda, Tutu Alicante apela aos países membros para que coloquem os direitos humanos à frente dos interesses económicos e políticos.

"Queremos que a CPLP, se admite um país como a Guiné Equatorial, vele pelo cumprimento dos princípios fundamentais da organização, o respeito pelos direitos humanos, por instituições democráticas e a abolição da pena de morte, princípios que garantem a dignidade do ser humano", concluiu.

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