As eleições legislativas deste sábado (06.03) na Costa do Marfim são uma oportunidade para a oposição tentar recuperar o poder. O resultado poderá decidir o futuro dos partidos no país, dizem especialistas.
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A Costa do Marfim realiza amanhã eleições parlamentares, quatro meses depois das contestadas eleições presidenciais. Mas desta vez a campanha eleitoral, que já terminou na quarta-feira (03.02), decorreu sem incidentes, com a participação da oposição e apelos de todos os partidos para um escrutínio pacífico. Nas presidenciais de outubro, que ficaram marcadas pela violência, os partidos da oposição boicotaram o pleito.
Agora, pela primeira vez numa década, quase todos os partidos da oposição participam no processo eleitoral, em particular a Frente Popular da Costa do Marfim do antigo Presidente Laurent Gbagbo e principal partido da coligação "Juntos pela Democracia e Soberania" (EDS), liderado pelo médico Georges Armand Ouegnin. A coligação estabeleceu uma aliança com o Partido Democrático da Costa do Marfim, liderado pelo ex-Presidente Henri Konan Bedie.
À DW, Thilo Schöne, da Fundação Friedrich Ebert, com sede em Abidjan, diz que mesmo com a coligação dos chamados "pesos pesados" da política, os ex-presidentes contra o atual chefe de Estado, Alassane Ouattara, deverá registar-se uma alta taxa de abstenção.
"Há receios de ir às urnas depois do que aconteceu no ano passado. Bédié e Gbagbo protestaram contra a reeleição em outubro de 2020 do Presidente Alassane Ouattara, que se tinha candidatado a um terceiro mandato, o que gerou controvérsia, e a oposição apelou à desobediência civil", recorda.
Os dois ex-Presidentes, que apelaram à "desobediência civil" e boicotaram as últimas eleições presidenciais, ainda não reconheceram a reeleição de Ouattara para um terceiro mandato, mas agora querem contrabalançar o seu poder na Assembleia Nacional.
Estabilidade política
Graças à participação da oposição, estas eleições legislativas estão a ser apresentadas como livres e representativas de um regresso à estabilidade política, após a violência ligada às eleições presidenciais de 31 de outubro, que deixaram 87 mortos e cerca de 500 feridos, refere Florian Karner, da Fundação Konrad Adenauer, em Abidjan.
"Agora tudo está mais calmo no país, tudo porque dois dos principais atores, ou seja, o antigo Presidente da República, Henri Konan Bédie, e o atual chefe de Estado, Alassane Ouattara, dialogaram muito ultimamente. Então, conseguiram baixar a tensão no país e há um campo de diálogo entre os atores políticos e isso é positivo", sublinha.
A eleição conta ainda com vários candidatos independentes que poderão desempenhar um papel importante na Assembleia Nacional no caso de um resultado próximo entre o partido no poder e a oposição, diz ainda Florian Karner.
"O que acho muito bom e interessante é o facto de termos vozes independentes a tentar chegar ao Parlamento. Mesmo com as intimidações haverá uma mudança geracional. Esse grupo candidatou-se para fazer perguntas desagradáveis, porque quer fazer parte do sistema governamental sem qualquer tipo de medo. Há também uma ou duas mulheres muito fortes que estão a fazer a diferença", salienta.
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Regresso de Laurent Gbagbo
Um dos opositores mais referenciados ultimamente é Laurent Gbagbo. O anitgo Pesidente vive exilado em Bruxelas desde a sua absolvição em primeira instância pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes contra a humanidade, mas o Presidente Ouattara declarou-se a favor do seu regresso, em nome da reconciliação nacional. O regresso foi anunciado para meados de março pelos seus apoiantes.
Para o pleito deste sábado, mais de 1.500 candidatos disputam o voto de cerca de sete milhões de eleitores em 205 círculos eleitorais, que elegerão 255 deputados.
Numa tentativa de pôr fim à violência eleitoral que marcou a história recente da Costa do Marfim, todos os participantes nas eleições legislativas votaram a favor de uma eleição pacífica e assinaram um código de boa conduta.
Costa do Marfim: Um renascimento lento
Devido à harmonia étnica e religiosa que então reinava depois da independência de França, a Costa do Marfim foi, para muitos, o "milagre africano". Mas, hoje, este país dinâmico ainda enfrenta muitos desafios.
Foto: DW/E. Lafforgue
Estranhos no próprio país
Na Costa do Marfim residem 62 grupos étnicos, incluindo os peuls. Destes, muitos não tem a cidadania marfinense, pois o Governo exige que pelo menos o pai ou a mãe tenha nascido no país. Sem a cidadania não é possível abrir uma conta bancária ou obter a carta de condução. Isto faz com que muitos peuls se sintam estrangeiros no seu próprio país.
Foto: DW/E. Lafforgue
Tecidos tradicionais contam histórias
"Diz-me que tecido usas e eu digo-te quem és" é um ditado comum entre os marfinenses. O tecido de cera com estampa tradicional costuma ser usado por mulheres. Cada desenho dá um recado diferente ao marido. A estampa de flor de hibisco, por exemplo, simboliza a felicidade no casamento.
Foto: DW/E. Lafforgue
Padrões de beleza prejudiciais persistem
Embora proibidos, os produtos de clareamento da pele ainda são muito populares. O clareamento da pele escura pode causar danos irreparáveis e até resultar em hipertensão e diabetes. Ainda assim, muitas farmácias ganham dinheiro vendendo esses produtos, e também muitos médicos continuam a prescrevê-los por motivos comerciais. Uma em cada duas mulheres na capital, Abidjan, usa estes cosméticos.
Foto: DW/E. Lafforgue
Arte milenar
Em Aniansué, a 200 quilómetros da capital, as raparigas dançam com o corpo revestido de caulino. Elas aprendem a ser "komians" - curandeiras e adivinhas tradicionais. As "komians" são conhecidas pela sua capacidade de curar a má sorte e prever o futuro. São consultadas com frequência pelas autoridades mais poderosas do país. Uma única escola ensina esta arte da cultura Akan.
Foto: DW/E. Lafforgue
Falsos medicamentos trazem falsas esperanças
Quase metade da população vive abaixo da linha da pobreza, o que facilita a exploração de quem precisa de serviços de saúde. Nos últimos três anos foram apreendidas cerca de 600 toneladas de medicamentos falsificados - um terço de todos os medicamentos vendidos no país. Sinais como estes são comuns no exterior das lojas que vendem medicamentos 'made in China'.
Foto: DW/E. Lafforgue
O sonho de uma vida no estrangeiro
O mundo foi alertado para a situação dos refugiados marfinenses em 2020, quando o corpo de um adolescente foi encontrado no trem de aterragem dum avião. Sem perspetivas de emprego, muitos jovens sonham em começar uma nova vida no estrangeiro, para o que percorrem perigosas rotas de migração. O Presidente Alassane Ouattara prometeu criar 200.000 novos empregos por ano, mas os jovens estão céticos.
Foto: DW/E. Lafforgue
À espera do 'ouro feminino'
Este homem espera pacientemente para comprar manteiga de karité no distrito de Savanes. O produto é conhecido como "ouro feminino" em toda a África, pois são principalmente as mulheres que ganham dinheiro com a sua venda através de pequenas cooperativas. Usada na maquilhagem e na alimentação, a manteiga de karité é popular em todo o mundo.
Foto: DW/E. Lafforgue
Cozinha milenar
Esta mulher, que faz parte da Cooperativa Mulheres Batalhadoras, embrulha o attiéké, um tipo tradicional de cuscuz feito de tubérculos de mandioca. A produção do attiéké também é da responsabilidade das mulheres: elas cultivam a mandioca, processam o alimento e vendem-no na beira da estrada. O dinheiro adquirido é frequentemente utilizado para enviar os filhos à escola.
Foto: DW/E. Lafforgue
Poucas mulheres na mineração
A próspera indústria de mineração continua a ser dominada pelos homens. Isso não impediu algumas mulheres de quererem trabalhar no setor. Mas muitas vezes elas são vítimas de exploração laboral. O trabalho é notoriamente exaustivo sob o sol escaldante.
Foto: DW/E. Lafforgue
Dificuldades no setor de cacau
O setor do cacau da Costa do Marfim está à beira de uma nova crise. Os pequenos comerciantes têm cada vez mais dificuldades em competir com as grandes cooperativas locais, que detêm a maioria dos contratos com os grandes fabricantes de chocolate, como a Mars ou a Nestlé. Das 3.000 cooperativas de cacau do país, pouco mais de 200 são certificadas.
Foto: DW/E. Lafforgue
Sítio de adoração
A Basílica de Nossa Senhora da Paz, em Yamoussoukro, foi consagrada pelo Papa João Paulo II em 1990. A sua construção terá custado cerca de 270 milhões de euros. É ainda maior do que a Basílica de São Pedro, em Roma. A basílica pode acomodar até 200.000 pessoas: 7.000 no seu interior e o restante na esplanada. Mas hoje em dia apenas algumas centenas de pessoas se reúnem para a missa aos domingos.