Costa do Marfim: Mudanças nas eleições de domingo?
Friederike Müller-Jung | ac
17 de dezembro de 2016
A Costa do Marfim vai a votos no domingo (18.12). Serão umas legislativas de "extraordinária importância", num país dividido.
Publicidade
Nos altifalantes soam trompetes e o ribombar dos tambores. O hino da Costa do Marfim não para de tocar em Cocody, em tempos de campanha eleitoral.
A ministra da Comunicação, Affoussiata Bamba-Lamine, está de visita ao bairro de Abidjan em representação da coligação governamental, e aproveita a oportunidade para explicar a importância dos parlamentares que serão eleitos no domingo (18.12): "Serão eles a decidir sobre as nossas leis!" Esta é a maior corrida ao Parlamento de sempre. Em todo o país, 1337 candidatos concorrem aos 255 assentos na Assembleia Nacional, em Abijan.
Mas este é também um escrutínio de "extraordinária importância, tendo em conta que contará, pela primeira vez, com a participação do FPI, o maior partido da oposição, que boicotou as últimas eleições depois da guerra civil de 2010-2011", diz Martin Johr, representante em Abijan da fundação alemã Friedrich Ebert, ligada ao partido social-democrata alemão.
O FPI é o partido do ex-Presidente Laurent Gbagbo, acusado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, de crimes contra a humanidade cometidos durante os confrontos violentos que se seguiram às eleições de 2010. Na altura, a Comissão Eleitoral, tal como praticamente todos os observadores internacionais, declararam o atual Presidente, Alassane Ouattara, vencedor. Mas Gbagbo não aceitou o resultado, o que provocou a guerra civil que vitimou cerca de três mil pessoas. A Costa do Marfim é, até hoje, um país dividido que ainda não recuperou completamente da crise.
Haverá uma oposição mais forte no Parlamento?
"Desde então, o partido de Gbagbo boicotou as eleições e permaneceu sempre excluído do processo político no país", explica Johr. "Até agora, o Parlamento é constituído apenas por representantes de partidos governamentais. E, provavelmente, isso irá mudar."
Issiaka Sangaré concorre pelo FPI no círculo de Cocody. "Queremos, sobretudo, reposicionarmo-nos, afirma o candidato à DW durante a campanha.
Mas nem todos os membros do partido pensam assim. Uma parte da oposição insiste em boicotar as eleições. Segundo Martin Johr, o ex-Presidente Gbagbo ainda exerce bastante influência no país.
"É certo que Laurent Gbagbo está fora do país, em Haia, perante o tribunal. Mas também é certo que uma franja não pequena da população pede o seu regresso e quer que ele volte ao poder. Muitos, no seio do próprio partido FPI, querem continuar a boicotar as eleições e paralisar completamente o sistema político na Costa do Marfim", afirma Johr.
Costa do Marfim Eleições - MP3-Mono
Medo de violência
No final de outubro, a oposição também apelou ao boicote a uma consulta popular sobre uma nova Constituição. Era um referendo controverso, a que muita gente se opunha. A nova Constituição acabou por ser aprovada, mas a abstenção foi alta. Apenas 40% dos eleitores foi votar.
Martin Johr prefere não avançar prognósticos quanto à participação no domingo, embora uma coisa seja certa: Os eleitores revelam-se cada vez mais cansados da política e dos políticos. "Este cansaço provém, sobretudo, da frustração quanto às condições de vida, que, para muitos, continuam a não ser boas. E também se teme mais violência, semelhante à de 2010 e 2011". Johr confia, porém, que as eleições de domingo serão pacíficas.
Mais mulheres no Parlamento?
Nestas eleições, mais de 200 mulheres candidatam-se a um assento parlamentar. Atualmente há 25 mulheres na Assembleia. Yasmine Ouégnin é uma delas e irá defender o seu assento no domingo.
"Precisamos de mais mulheres em todas as posições relevantes do aparelho de Estado", diz.
Julien Adayé, em Abidjan, contribuiu para este artigo.
À descoberta da Costa do Marfim
Uma exposição recente no Kunsthalle, um dos principais museus da cidade de Bona, na Alemanha, convidou os visitantes a conhecer os "Mestres Africanos - A Arte na Costa do Marfim", através de máscaras e esculturas.
Foto: DW/Birgit Görtz
Uma tradição viva
As máscaras e esculturas de madeira são há séculos o ponto de partida para a arte da África ocidental. No bazar de Co Cava, no bairro de Treichville da capital, Abidjan, os comerciantes vendem artesanato de todas as regiões da Costa do Marfim e dos países vizinhos. Os preços são acessíveis e a qualidade é elevada. Mas são todas peças modernas.
Foto: DW/Birgit Görtz
"Muito, muito antigo"
"Não, aqui não há antiguidades", diz Lorenz Homberger, desmascarando, em menos de nada, a afirmação contrária do comerciante. O especialista em arte africana do Museu Rietberg, em Zurique, na Suíça, foi o curador da exposição "Mestres Africanos". Depois de ter sido exibida em Bona, a mostra seguiu para Amesterdão e Paris.
Foto: DW/Birgit Görtz
Uma máscara guro típica
A etnia guro, que vive no centro da Costa do Marfim, é famosa pelas suas máscaras sacras e profanas. Algumas peças são tão sagradas que estão proibidas às mulheres. Os guro são considerados dançarinos exímios. Alguns são tão celebrados como estrelas da música pop.
Foto: DW/Birgit Görtz
Pelo menos tão tradicional como moderna
O escultor marfinense Jem Robert Koko Bi dá continuação à tradição da arte em madeira do seu país, mas também quebra com ela. Na exposição em Bona foram exibidas obras de Koko Bi: esta escultura é uma de cinco gigantescas figuras do conjunto “Diáspora” em madeira de álamo queimada.
Foto: DW/Birgit Görtz
Visita aos "artistas clandestinos"
Koko Bi (à direita) aprendeu muito com eles: expulso da academia de artes há mais de 20 anos, por não querer renunciar ao trabalho com madeira, foi acolhido pelos escultores de madeira. Estes vêm do interior do país, do Mali e do Burkina Faso, e procuram apenas um local onde se instalar. Mas as autoridades consideram-nos imigrantes clandestinos. Para Koko Bi são os "artistas clandestinos".
Foto: DW/Birgit Görtz
Divisão de trabalho
O primeiro faz o corte em bruto, o segundo esculpe os detalhes. Os seguintes passam o lustre, antes da peça ser pintada. Os "artistas clandestinos" falam sem complexos deste sistema de divisão de trabalho. Só não revelam como dão às obras a aparência de antiguidade.
Foto: DW/Birgit Görtz
Simplesmente bonito
Esta peça vai ser a réplica de uma figura tradicional lobi. Os lobi são uma etnia do norte da Costa do Marfim e do vizinho Burkina Faso. A arte dos lobi só se tornou conhecida muito tarde e desencadeou uma verdadeira mania da arte africana na Alemanha nos anos 70 do século passado.
Foto: DW/Birgit Görtz
Por uma garrafa de gin
O curador Lorenz Homberger diz que as vias percorridas pelas verdadeiras peças de arte que chegam à Europa a à América do Norte são múltiplas e muito suspeitas. Alguns comerciantes encomendaram cópias, convenceram aldeias inteiras de que as novas valiam muito mais e levaram os originais. Que hoje valem muitos milhões.
Foto: DW/Birgit Görtz
Arte africana contemporânea
Não existe um “mainstream”, mas há intersecções. Tole Wéwé é um artista nigeriano. O seu “Elephant Danse” (dança do elefante) mostra a importância para os artistas de abordar temas como a identidade e as raízes culturais.
Foto: DW/Birgit Görtz
Reminiscência
Um homem que renuncia à sua identidade é como uma árvore sem raízes – não só em África. O nome deste conjunto é “Deraciné” – “desenraizado”. Tal como “Elephant Danse” está exposto na “Rotonde das Arts”, em Abidjan, uma galeria patrocinada por um homem de negócios e mecenas marfinense.
Foto: DW/Birgit Görtz
Oásis na selva urbana
A fundação Donwahi em Abidjan é uma verdadeira jóia. Esta galeria financiada por empresas internacionais é uma vitrina para a obra de quatro artistas contemporâneos. A escultura "Os Estigmatizados" de Désiré N'Guessan data de 2013.
Foto: DW/Birgit Görtz
Rótulos inúteis
"Marché Gouro" (mercado da região dos guro) de Pascal Konas é mais uma prova de que não existe UMA arte africana. Illa Donwahi, diretora da galeria, diz com convicção: "Não queremos que nos coloquem rótulos como 'arte africana contemporânea'. A arte contemporânea é universal".