Costa do Marfim vai criar uma comissão da verdade e reconciliação
10 de maio de 2011Durante meses as tropas do presidente Alassane Ouattara e do ex-presidente Laurent Gbagbo combateram-se, apenas porque este último não queria aceitar a sua derrota nas eleições.
Mas mesmo passado um mês sobre a detenção de Gbagbo, as tensões entre os dois campos rivais ainda não desapareceram. O novo presidente criou uma Comissão da Verdade e Reconciliação para investigar os crimes que foram cometidos. A ideia não é nova, diversos países africanos tomaram iniciativa semelhante depois de conflitos. Com que resultado?
Desmond Tutu oferece a experiência feita pela África do Sul
“Os problemas são complexos; mas existe a vontade de voltar a fazer da Costa do Marfim a estrela da costa ocidental africana”. Palavras com que o arcebispo sul africano Desmond Tutu, prémio Nobel da paz, tenta encorajar os costa-marfinenses.
Muitos consideram que é tarefa quase impossível fazer um balanço das violações dos direitos humanos que se registaram nos últimos meses naquele país africano. Apesar disso o presidente Ouattara quer que a Comissão da Verdade e Reconciliação inicie o seu trabalho o mais depressa possível. Para lhe presidir, nomeou o antigo primeiro ministro Charles Konan Banny.
Mas essa nomeação é contestada, mesmo antes da comissão iniciar o trabalho. Salamata Porquet, uma ativista da Costa do Marfim, considera errado nomear um político para presidir a uma tal instituição; mesmo que Banny seja geralmente visto como independente: “Precisamos de pessoas neutras na comissão. Sobretudo membros de organizações da sociedade civil, porque elas estiveram pouco envolvidas nas lutas políticas pelo poder. E na Costa do Marfim existem algumas dessas organizações da sociedade civil. Além disso elas estão bem implantadas nas comunidades e aldeias”.
A comissão da verdade tem de ser formada por pessoas independentes
Muitos marfinenses temem que os responsáveis e criminosos consigam escapar porque ainda não está bem esclarecido o que acontecerá àqueles que se confessarem culpados. Serão julgados em tribunal? O procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno-Ocampo, já anunciou que lhes quer instaurar um processo.
E também Salamata Porquet acha que a comissão da verdade não se deve limitar a decretar uma amnistia geral, como aconteceu noutros países: “Devem ser levadas em consideração as caraterísticas especiais da Costa do Marfim e auscultar o que é que a população deseja. Se querem realmente a reconciliação, o presidente Ouattara e Banny como chefe da comissão não podem pôr as pessoas perante factos consumados. As feridas ainda estão abertas e são muito profundas”.
O modelo em África é a comissão sul-africana da Verdade e Reconciliação, criada nos anos 90 para investigar os crimes cometidos durante a época do apartheid. Depois houve comissões semelhantes no Ruanda, a seguir ao genocídio; ou na Libéria, depois da guerra civil. Mas a comissão sul-africana foi acusada de ter tratado melhor os criminosos do que as suas vitimas.
Stefan Heinz, um perito alemão em direitos humanos, sugere por isso: “Em minha opinião os fatores mais importantes são: não perder tempo e criar imediatamente essa comissão; e em segundo lugar nomear para ela pessoas qualificadas, se possível com experiência internacional. Devem sentir-se motivadas para fazer esse trabalho e não encará-lo como uma tarefa de rotina”.
Autor: Carlos Martins
Revisão: António Rocha