Covid-19 afeta transferências de dinheiro para África
Daniel Pelz | rl
28 de maio de 2020
Todos os anos, africanos que vivem no estrangeiro enviam milhões de euros para os países de origem. Mas a Covid-19 está a complicar ou nalguns casos a tornar impossível o envio de remessas. E já há consequências.
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Antes da crise do coronavírus, o guineense Ibrahima Bah trabalhava em hotéis e restaurantes na capital francesa Paris e enviava todos os meses dinheiro para a sua mulher, os três filhos e as quatro irmãs. Agora, os pedidos continuam a chegar, mas Ibrahima não tem como os ajudar.
"A família continua a telefonar. Mas sem trabalho e com o recolher obrigatório, é muito complicado. No entanto, eles dependem de nós", desabafa.
Este não é um caso isolado. É a realidade de muitos migrantes neste momento. As transferências de dinheiro que habitualmente faziam para os seus países - mais conhecidas como remessas - eram suficientes para alimentar, em média, três a quatro pessoas. Mas, com a chegada do coronavírus, o cenário está a mudar drasticamente.
Situação inédita em África
De acordo com as estimativas do Banco Mundial, o fluxo de remessas enviadas durante a crise do coronavírus irá cair até 20% em todo o mundo e África será um dos continentes mais afetados. As estimativas apontam para um declínio de 23,1%.
"É nossa expectativa que os fluxos de remessas para África possam diminuir até 23%. É uma situação inédita na história dos fluxos das remessas desde que as começámos a medir, nos anos 80", afirma Dilip Ratha, do Banco Mundial.
Em 2019, foi enviado um total de 42 mil milhões de euros para a África Subsariana. Este ano, o valor deverá aproximar-se dos cerca de 34 mil milhões de euros.
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O que acontece é que na maior parte das vezes estes migrantes tem trabalho precárias e em áreas que estão a ser fortemente afetadas, como o retalho, o turismo ou a agricultura. Indústrias em que muitas empresas têm de permanecer fechadas por ordem das autoridades - ou em que os clientes permanecem afastados.
"Muitos migrantes (africanos) são menos qualificados. Trabalham frequentemente no setor informal ou como trabalhadores sazonais. São particularmente vulneráveis, sendo que muitas vezes são os primeiros a ser despedidos ou a ser confrontados com graves cortes salariais", explica Dilip Ratha, do Banco Mundial.
Os entraves não ficam por aqui. Sem conta bancária muitos dos migrantes e seus familiares têm de processar as transferências através de prestadores de serviços financeiros, que cobram taxas muito elevadas. Como alternativa, muitos optam por mandar o dinheiro através de empresas locais, como afroshops ou cabeleireiros, mas que tiveram também de encerrar por causa da pandemia.
Outras vias
As pessoas são obrigadas a optar por caminhos "mais sinuosos". Foi o que fez Djibo, do Níger. "A minha irmã, que vive em França, queria enviar dinheiro à nossa mãe. Ela deu o dinheiro a uma empresa de transportes de Marselha que me contactou e deu instruções. Fui buscar o dinheiro à casa do primo deste senhor da empresa, aqui em Niamey. É muito complicado com o Covid-19", conta.
Mas nem todos têm a sorte da mãe de Djibo. Neste momento, há milhares de famílias que não estão a conseguir receber as remessas. Uma vez que a economia também entrou em colapso em muitos países africanos, as remessas são, por vezes, o único rendimento que muitas famílias pobres ainda têm, alerta o economista queniano Jacob Omolo.
"Temos realmente de considerar a questão das transferências monetárias para os grupos vulneráveis. É urgente pensar em subsídios alimentares e subsídios salariais para proteger os pobres. E depois há a questão do subsídio de desemprego que a maioria dos governos em África não tem", lembra.
De acordo com o Banco Mundial, seriam necessários 105 mil milhões de euros para África fazer face às consequências da crise provocado pelo coronavírus. Os doadores estrangeiros comprometeram-se, até agora, a contribuir com 65 mil milhões, ou seja, existe ainda uma lacuna de 40 mil milhões de euros. Prevê-se que a crise provoque uma contração da economia de mais de 5% este ano.
De capulanas a máscaras: alfaiatarias de Moçambique inovam em tempos de Covid-19
Em Moçambique, a grande procura levou muitas pessoas a investirem na produção e no comércio de máscaras faciais feitas de capulana.
Foto: DW/R. da Silva
As máscaras de capulana
As pessoas procuram pelas máscaras na tentativa de conter a propagação do coronavírus no país. O uso da máscara é também uma recomendação do Governo e, em alguns casos, obrigatório. As müascaras feitas de capulana estão a ganhar o mercado, conquistar os clientes e render um bom dinheiro.
Foto: DW/R. da Silva
Nova utilidade da capulana
É a capulanas como estas que muitos produtores recorrem para fabricar o seu mais novo produto: máscaras faciais. A capulana passou a ter mais esta utilidade por causa do coronavírus. O preço da capulana continua a ser o mesmo, custando entre o equivalente a 1,20 a pouco mais de 4 euros, dependendo da qualidade.
Foto: DW/R. da Silva
Tradição em capulanas
Na baixa de Maputo, a "Casa Elefante" é uma das mais antigas casas de venda de capulana da capital moçambicana. Vende variados tipos do produto. São muitas as senhoras que se deslocam ao local para a compra deste artigo para a produção das máscaras. As casas de venda de capulana passaram a ter muita afluência para responderem à grande procura pelos artigos por causa do coronavírus.
Foto: DW/R. da Silva
Produção caseira
Esta alfaiataria caseira funciona há cerca de 15 anos, em Maputo. Antes, a proprietária dedicava-se a costurar uniformes escolares. Por causa do coronavírus, passou a investir mais na produção de máscaras. Ela vende aos informais a um preço de 0,20 euros cada unidade.
Foto: DW/R. da Silva
Aproveitar a demanda
A alfaiataria da Luísa e da Fátima dedica-se à produção de vestuário de noivas e não só, mas também à sua consertação. Quando começou a procura pelas máscaras de produção com recurso à capulana, as duas empreendedoras tiveram que redobrar os esforços para produzi-las sem pôr em causa a confecção habitual. O rendimento diário subiu de cerca de 40 euros para 60 euros, dizem.
Foto: DW/R. da Silva
Produção a todo o vapor
Estes alfaiates, no mercado informal de Xiqueleni, costumam dedicar-se ao ajustamento de roupas de segundam mão, compradas no local. Mas devido à intensa procura pelas máscaras, dedicam a maior parte do tempo a produzir estes protetores faciais à base da capulana. Também eles estão a aproveitar a grande demanda pelo acessório.
Foto: DW/R. da Silva
Informais a vender máscaras
Desde que o Governo determinou a obrigatoriedade do uso de máscaras nos transportes e aglomerações, há pouco mais de uma semana, muitos vendedores informais, mulheres e homens, miúdos e graúdos compraram-nas para a posterior revenda. Um dos principais locais para a venda ao consumidor final são os terminais rodoviários.
Foto: DW/R. da Silva
Máscara para garantir a viagem
Os maiores terminais rodoviários, como por exemplo a Praça dos Combatentes, são os locais de aglomerados populacionais e onde muitos cidadãos acorrem para comprar as máscaras caseiras. Quando um passageiro não tem a máscara, sabe que pode encontrar o produto sem ter que percorrer longas distâncias e garantir o embarque nos meios de transporte.
Foto: DW/R. da Silva
Grande procura em Maputo
Neste "Tchova", carrinho de tração humana, há vários artigos. Os clientes estão a apreciar as máscaras, e não só, que o vendedor informal exibe. Os clientes referem que compram as máscaras não só para evitar a propagação do coronavírus, mas também porque os "chapeiros" exigem o uso das mesmas, sob pena de não permitirem a viagemm de quem não tiver o acessório.
Foto: DW/R. da Silva
Bons rendimentos
Os vendedores informais aproveitam a muita procura pelas máscaras caseiras para juntar ao seu habitual negócio. Jorge Lucas, além de vender acessórios de telefones, diz que "há muita procura" pelas máscaras feitas de capulana e que este negócio está a render "qualquer coisa como 20 euros por dia".
Foto: DW/R. da Silva
Quase 20 euros por dia
António Zunguze vende uma máscara pelo valor equivalente a 0,80 euros. Por dia, diz que consegue levar para casa o equivalente a quase 20 euros e explica que a procura é muita nos mercados informais. António compra as máscaras nas alfaiatarias e vai, posteriormente, revendê-las nos terminais de semi-coletivos.
Foto: DW/R. da Silva
Propaganda, "a alma do negócio"
Este jovem montou um megafone para anunciar que, além das sandálias, já tem igualmente máscaras para a venda. Na imagem, as máscaras podem ser vistas no topo da sombrinha e o megafone instalado no muro. O jovem refere que na sua banca não tem havido muita procura, mas acredita que melhores dias virão.
Foto: DW/R. da Silva
Máscaras até nos salões de beleza
Alguns salões de beleza também não perderam a oportunidade e estão a revender as máscaras. Neste salão, já não há clientes devido ao período de restrições para conter a propagação do coronavírus. O salão também investe na venda de máscaras feitas de capulana.