Má gestão de fundos afeta acordo entre Maputo e FMI?
Nelson Camuto (São Paulo)
7 de abril de 2022
Em entrevista à DW, investigadora do CIP diz que a má gestão dos fundos da Covid-19 destinados por parceiros não deve afetar o acordo entre Moçambique e o FMI anunciado há dias. Mas há outras preocupações.
Em causa estão 700 milhões de dólares recebidos de parceiros. A maior parte deste dinheiro foi doada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que recentemente retomou a ajuda a Maputo.
Em entrevista à DW África, Leila Constantino, investigadora no Centro de Integridade Pública (CIP), critica o Governo pela má gestão dos fundos.
O CIP já tinha denunciado que não se sabe onde foram gastos 294 milhões de dólares destinados ao combate à Covid-19.
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DW África: A má gestão de fundos da Covid-19 pelo Governo moçambicano pode prejudicar o país?
Leila Constantino (LC): A má gestão dos fundos públicos interfere naquilo que é a satisfação das necessidades [da população]. Por exemplo, o setor da educação tem muitos problemas relacionados ao número de escolas e até o próprio material didático é escasso. O setor da saúde precisa de profissionais suficientes, pois há um défice muito grande agora. Então são alguns dos problemas que levantam quando há uma gestão deficiente dos fundos públicos.
DW África: Onde poderão estar os milhões de euros em falta?
LC: Pela falta de reporte [por parte do Governo], deixa-se assim um espaço aberto. O CIP fez uma monitoria aos fundos da Covid-19 e fomos constatando problemas na gestão destes fundos. Estes problemas partem desde o início do lançamento dos próprios concursos, que, na verdade, a maior parte deles foi por ajustes direto. Isto é uma metodologia que vem alertando por causa da corrupção que vigora [no país].
Estes fundos, se não forem reportados pelo Ministério da Economia, se não for apresentado um relatório de balanço geral daquilo que é o plano de resposta à Covid-19 (...), esses fundos foram mal geridos ou saíram por uso indevido daqueles que eram competentes para responder a determinada necessidade [da população].
DW África: Qual é a justificação que tem sido dada pelo Governo face à má gestão dos dinheiro apontada pelo Tribunal Administrativo de Moçambique?
LC: Até então, nós não tivemos nenhuma justificação por parte do próprio Governo. Esperamos, na verdade, que agora, com este pronunciamento do Tribunal Administrativo, haja aqui uma resposta positiva em relação aos nossos questionamentos sobre como é que realmente foram geridos estes fundos da Covid-19.
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DW África: O resto do dinheiro recebido, que corresponde a 55% dos fundos, foi mesmo utilizado para financiar o combate à doença da corrida e dar apoio aos mais pobres?
LC: Existem relatórios que reportam, neste caso, aquilo que foi a aplicação destes montantes, mas ao longo do tempo fomos acompanhando alguns problemas. No setor da saúde, por exemplo, estava prevista o apetrechamento de algumas unidades sanitárias para transformá-las em centros de internamento e tratamento da Covid-19. Podemos visitar algumas unidades sanitárias que eram beneficiárias, mas que, no entanto, as obras lá efetivadas não respondem àquilo que são os padrões primeiramente definidos.
DW África: A maior parte do dinheiro foi destinado pelo Fundo Monetário Internacional, que retomou a ajuda a Maputo. O país ficou novamente mal visto perante os parceiros internacionais, logo agora que o FMI voltou a apoiá-lo depois do escândalo das dívidas ocultas?
LC: Na verdade, esses possíveis condicionalismos que o FMI trouxe para Moçambique, creio que não vão afetar aquilo que é o acordo, que já está quase fechado. Já se chegou a fase do acordo técnico. Para além deste fator, a imagem de Moçambique com a retoma do apoio do FMI vai ser mais apetecível para os outros parceiros de cooperação internacional que, na altura do despoletar do caso das dívidas ocultas, também junto com o FMI, cortaram o apoio direto ao Orçamento do Estado. Então creio que aqui temos uma pequena luz verde para a volta destes outros parceiros.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.