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"Sistema de saúde já tem fragilidades há muito tempo"

Maria João Pinto
4 de fevereiro de 2021

A DW ouviu o bastonário da Ordem dos Médicos de Moçambique, Gilberto Manhiça, no dia em que o Presidente da República anunciou um agravamento das restrições devido à Covid-19. "É preciso manter as boas práticas", avisa.

Italien Cremona | Coronavirus: Cremona Hospital
Foto: picture-alliance/Fotogramma/C. Cozzoli

Segundo o bastonário da Ordem dos Médicos de Moçambique, Gilberto Manhiça, a situação da pandemia de Covid-19 agrava-se no país pelas fraquezas do Serviço Nacional de Saúde, que já tinha fragilidades a precisarem de ser resolvidas há muito tempo. 

Ele ressaltou ainda que o país já trabalhava em condições de pressão, mesmo antes da Covid-19, porque o número de profissionais de saúde está "abaixo do recomendável".

O bastonário falou à DW África no dia em que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou um agravamento das medidas restritivas para travar a propagação da doença no país. 

DW África: O Presidente Filipe Nyusi diz que o país vive uma "situação grave" devido à Covid-19. Como descreve o atual cenário no país?

Gilberto Manhiça (GM): Nós temos estado a ter um crescendo de casos resultante do cenário que se viveu à volta do período das festividades, mas a situação agrava-se pelas fraquezas que eram notórias nos sistemas de tratamento dos pacientes. O maior e mais predominante de todos eles é o Serviço Nacional de Saúde, que já tinha essas fragilidades a precisarem de ser resolvidas há muito tempo, algo que nunca se conseguiu fazer durantes estes anos todos. Agora, naturalmente, com o acréscimo destes pacientes [de Covid-19], a pressão aumentou muito mais. Era de se esperar que isto fosse acontecer e acabou acontecendo mesmo.

DW África: Na sua perspetiva, o que deve ser feito perante esta pressão sobre os serviços de saúde?

GM: Acho que a primeira coisa que temos de garantir é que o profissional esteja seguro. Esta é a prioridade: é necessário que quem está a tratar de quem precisa de cuidados de saúde se sinta seguro para que não fique infetado durante o seu trabalho. É necessário também haver ações que estimulem estes funcionários. Têm estado a trabalhar em condições de pressão mesmo antes da Covid-19, porque o número de profissionais de saúde que temos no nosso país está abaixo do recomendável. É natural que a solicitação seja maior e devem ser estimulados devidamente. A terceira coisa, que é muito importante, é percebermos que estes números surgem de falhas sistemáticas que nós, a população em geral, tem estado a ter no cumprimento das normas: lavar as mãos, manter o distanciamento, usar as máscaras. Algo que vimos que resultou em alguns países, particularmente asiáticos, que se nós tivéssemos feito também provavelmente continuaríamos a ter os números a que nos tínhamos habituado.

DW África: Acha então que o caminho passa por mais restrições?

GM: O caminho pode passar por restrições, sim, mas temos de ter em conta que elas, em si, não resolvem o problema. Países que tiveram sucesso com as restrições, na primeira vaga, hoje estão a braços com o problema de uma forma ainda mais grave do que pensavam que teriam, tendo em conta esse sucesso. Não basta limitarmo-nos a fazer a contenção desta forma, é muito importante que se inculque na cabeça de todos nós que precisamos de manter as boas práticas para podermos defender a nossa vida individual e coletiva.

DW África: Falando novamente do Serviço Nacional de Saúde, no que diz respeito aos recursos materiais, que carências há?

GM: Neste momento, a nossa preocupação [da Ordem dos Médicos] foi focarmo-nos no equipamento de proteção. Pedimos a algumas equipas de trabalho que visitassem unidades sanitárias e encontrámos duas situações totalmente opostas: uma em que os profissionais estavam todos devidamente equipados e protegidos e outra onde havia notória carência em todos os setores. Temos de perceber porque é que há carência numas e não há noutras. Se conseguirmos responder a esta questão, poderemos produzir as recomendações para que as autoridades possam colmatar a situação. É nisto que estamos a trabalhar neste momento.

DW África: E qual é a atual situação nas unidades de saúde em relação à disponibilidade de camas?

GM: As camas estão todas ocupadas neste momento. No entanto, já tínhamos previsto a transformação de algumas áreas de trabalho que acomodavam outro tipo de pacientes para passarem a acomodar pacientes de Covid-19. Esta unidade sanitária aqui em Maputo estará disponível no fim da próxima semana. Esperamos que, com este acréscimo, possamos ter melhor capacidade de acomodar os doentes. Estamos a falar de acrescentar 300 camas nos cuidados intensivos, algumas centenas nos cuidados intermédios e outras na transição para a saída dos pacientes.

DW África: Isto, em Maputo…

GM: Está a ser feito em Maputo que é, neste momento, o epicentro do problema. Mas também estamos a trabalhar com as delegações provinciais para que façam o mesmo trabalho e possamos ter os espaços preparados atempadamente e garantir que haja proteção dos profissionais, para que não passemos por esta experiência dolorosa que estamos a passar em Maputo.

DW África: Falando das vacinas, quais são as previsões atuais para o plano de vacinação?

GM: As nossas fontes dizem-nos que as vacinas poderão chegar ainda este mês, vindas da China e da Índia e que, no próximo mês, poderemos iniciar a vacinação – que será dedicada inteiramente aos profissionais de saúde.

DW África: Portanto, a receita do combate à Covid-19 passa pela vacinação, pelo reforço dos recursos humanos e das unidades de saúde e a sensibilização da população e restrições.

GM: Sem dúvida nenhuma. E eu acho que neste momento se devia fazer o aproveitamento de todos os médicos que temos no país. Alguns deles, antes de começar a Covid-19 e mesmo depois do início da pandemia, não tinham sido contratados nem pelo sistema público nem pelo privado. Neste momento, acho que é um absurdo termos colegas desempregados quando a necessidade da sua mão-de-obra é tão pertinente.

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