Covid-19 expõe falta de investimento na saúde em Moçambique
Lusa
8 de agosto de 2021
Para o médico Avertino Barreto, a falta de investimento no sistema de saúde moçambicano antecipou o impacto da terceira vaga da pandemia em Moçambique. Empenho dos profissionais do setor estaria a evitar o pior.
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"Isto podia ter sido evitado, se o investimento na saúde fosse sério", declarou este domingo (08.08), em entrevista à agência de notícias Lusa, Avertino Berreto, que também é membro da comissão científica criada para aconselhar o Governo para tomada de decisões face à pandemia em Moçambique.
Para o epidemiologista, o investimento desembolsado na última década para a saúde não é proporcional ao crescimento de Moçambique, que agora enfrenta uma doença "muito mais agressiva em termos de transmissibilidade" quando comparada com outras epidemias que o país enfrentou no passado, com destaque para cólera.
"Tivemos outras epidemias e, se falarmos de recordes, esta doença ainda não tem o significado desastroso como outras que eu pessoalmente vivi", acrescentou o médico, que está ligado ao sistema de saúde há mais de 40 anos, frisando que o principal erro do executivo moçambicano foi não ter apostado no investimento em infraestruturas e capacidades do setor da saúde do país nos últimos anos.
"Incapacidade ou negligência"
"Por incapacidade ou negligência no investimento à saúde pública, nós sujeitamos a uma população que é paupérrima a ter de recorrer ao setor privado, onde os custos são enormes e as pessoas não conseguem suportar", declarou.
A vacinação contra o coronavírus em Moçambique
03:41
Avertino Barreto entende que Moçambique assistiu, nos últimos 12 anos, uma inversão de valores e hoje as políticas e prioridades já não estão viradas para a saúde das pessoas.
"Há toda uma ânsia e egoísmo num pensamento totalmente degradante", alertou o médico, que considera que o país já devia ter o mínimo de infraestruturas e capacidade para uma "resposta muito mais eficiente e humana".
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Empenho dos profissionais da saúde
Por outro lado, prosseguiu o epidemiologista, o empenho e o esforço dos profissionais da saúde que estão na linha da frente têm sido fundamentais para evitar um cenário pior, num momento em que os salários desta classe continuam baixos face a importância do setor
"Há médicos em Moçambique que vivem em garagens e não tem casa, mas diariamente e pontualmente não deixam as pessoas morrerem", acrescentou o epidemiologista, que aponta o trabalho que tem sido feito pelo Hospital da Polana Caniço, um dos principais da capital para o internamento de doentes com Covid-19, como um exemplo regional de resposta à pandemia.
Moçambique, que está na terceira vaga da Covid-19 e a registar recordes no número de mortes e internamentos nas últimas semanas, conta com um total de 1.600 óbitos e o de casos é de mais de 131 mil, segundo as últimas atualizações.
O Ministério da Saúde tem alertado para a possibilidade de esgotamento da capacidade de internamento, tendo já sido registado na província de Maputo, que já não tem camas para novos doentes e tem recorrido à cidade de Maputo para assistir os pacientes em estado grave.
O fardo da Covid-19 para as famílias de Inhambane
Milhares de famílias estão a sofrer na província de Inhambane, no sul de Moçambique, desde que eclodiu a pandemia do novo coronavirus. Há pessoas sem emprego, em isolamento, obras paralisadas e os bens escasseiam.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Famílias sofrem por causa da Covid-19
Muitos habitantes da província moçambicana de Inhambane perderam os postos de trabalho por causa da crise provocada pela Covid-19, outros foram dispensados para cumprirem o isolamento social. Por outro lado, há obras paralisadas e faltam vários produtos, principalmente nas zonas rurais. Muita gente está a migrar para as cidades e vilas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
A culpa é do coronavírus
Dulce Eugénio, mãe de dois filhos e residente no bairro Sarrene, na cidade de Maxixe, disse que antes da pandemia o negócio corria muito bem, mas depois ficou sem dinheiro: "Consegui comprar o meu terreno e já estava a construir a minha casa de blocos com este pequeno negócio de vender tomates, cebola, pepino e cenoura, mas essa doença veio atrapalhar toda a situação."
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Coronavírus trouxe mais fome"
Com o confinamento obrigatório decretado em abril de 2020, a situação da fome agravou em Inhambane. Os cidadãos consideram que a pandemia do novo coronavírus "trouxe mais fome e miséria às comunidades". O desespero continua a imperar.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Viver de hortaliças é para quem pode
Há cada vez mais pessoas desempregadas, muitas famílias tiveram de adaptar as receitas em casa e passaram a consumir mais verduras, por exemplo. Mesmo assim, nem todos conseguem comprar, porque as hortaliças também já começam a escassear. Marta Alberto diz que não foi registada para receber o subsídio da Covid-19, concedido pelo Estado, e pede ajuda.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Produção agrícola em queda
Não é só a pandemia que tem sido um problema. Não tem chovido e muitas pessoas abandonaram a atividade agrícola. Os camponeses pedem ao Estado sementes, que estão cada vez mais caras no mercado. Em Inhambane, nem todos os camponeses vão receber o subsídio de dois mil meticais mensais (cerca de 23 euros) para suprir as suas necessidades durante seis meses.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Abandonada pela família e sem apoio
Joana Cândido foi abandonada pela família. Vivia com os netos, mas, com a pandemia, o filho solicitou aos netos que residissem juntos noutro bairro, deixando assim a idosa à sua sorte. Com problemas na perna e dores constantes na coluna, não lhe é fácil ter três refeições por dia. Afirma que não foi selecionada pelo Instituto Nacional de Ação Social (INAS) para receber o subsídio da Covid-19.
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Estamos a sofrer e precisamos de apoio"
Laura Simão foi registada pelo INAS, na cidade de Maxixe, mas ainda não recebeu o dinheiro e afirma não ter comida suficiente. Em situação semelhante estão muitas outras pessoas carenciadas, que foram inscritas mas ainda não receberam os subsídios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Excluída dos apoios, com a panela vazia
Maria João revela que não foi contemplada pelos apoios da Covid-19. Ficou surpreendida, porque não trabalha, tem filhos a seu cargo e a panela vazia. E pede apoio ao Estado.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Enganar a fome
Teresa António trabalhava como doméstica em Inhambane, numa residência, mas, com a pandemia, teve de deixar de trabalhar para os seus patrões. Agora desempregada, diz que é difícil ter arroz na mesa e, muitas vezes, tem de misturar o arroz com tapioca (farinha de mandioca) para conseguir enganar a fome.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Vender mangas para sobreviver à pandemia
Cândida Maurício fazia venda ambulante no centro da cidade da Maxixe, mas - impossibilitada de continuar o negócio na rua por causa da pandemia - teve de se adaptar. Faz agora revenda de mangas na sua residência, mas soma prejuízos e não recebe apoio do Governo.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Perdeu o emprego com a Covid-19
Com o encerramento dos estabelecimentos comerciais em cumprimento do decreto do estado de emergência, João Saul foi demitido do serviço de guarda. Afirma que a pandemia lhe trouxe efeitos negativos que jamais irá esquecer. Sobrevive com o subsídio que recebe por ser desmobilizado - não superior a 50 euros - valor que considera insuficiente.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Sonho perdido?
Nina Cumbe concluiu o 12º ano de escolaridade em Inhambane, em 2019. Antes da eclosão da pandemia, queria concorrer a uma escola técnica profissional, mas não conseguiu, porque muitos estabelecimentos de ensino tiveram que encerrar com a declaração do estado de emergência no país. Agora, tenta ganhar a vida fazendo tranças a amigas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Resta fé e esperança
No meio de tanto sofrimento provocado pela pandemia do novo coronavírus, as famílias estão a lutar para superar a crise. Ilda Joaquim, residente de Inhambane, afirma que o confinamento social agravou a maneira de viver e que está a ser difícil adaptar-se às novas medidas. Reza muito para que consiga ultrapassar esta crise, porque está difícil receber apoios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
À espera de dias melhores
Antes da chegada do novo coronavírus, Maria Alberto fazia trabalhos para terceiros e produzia mandioca para fabricar e vender farinha. Hoje, é uma simples dona de casa que deixa as panelas limpas à espera que o marido traga alguma coisa dos seus biscates diários. Lamenta o sofrimento provocado pela Covid-19, mas vive na esperança de que tudo voltará à normalidade.