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Covid-19: OMS elogia Moçambique mas aponta dificuldades

Maria João Pinto
22 de abril de 2020

Representante da OMS acredita que medidas do Governo "surtiram algum efeito", mas sublinha que ainda há muito a fazer. Recursos não estão todos disponíveis, "apesar da boa vontade dos parceiros", diz Djamila Cabral.

Foto: picture-alliance/dpa/S. Di Nolfi

Com 41 casos de Covid-19 confirmados até esta quarta-feira (22.04), as autoridades moçambicanas continuam a trabalhar para travar a propagação do novo coronavírus. O objetivo principal, segundo a representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Moçambique, continua a ser evitar a sobrelotação do já frágil sistema de saúde do país.

Em entrevista à DW África, Djamila Cabral elogia o trabalho do Governo de Moçambique neste sentido, mas sublinha a falta de recursos e a necessidade permanente de sensibilizar e apoiar a população, numa altura em que as medidas de prevenção dificultam a vida de muitos moçambicanos. A representante da OMS diz ter esperança na contenção da epidemia e afirma que o número de testes deverá aumentar nas próximas semanas.

DW África: Como avalia, até agora, a resposta de Moçambique à pandemia do novo coronavírus?

Djamila Cabral (DC): Como eu digo sempre, acho que estamos no bom caminho. A preparação teve início em janeiro, princípios de fevereiro, e houve todo um trabalho do ponto de vista da resposta da saúde, diretivas, protocolos, instrumentos de recolha de dados, formação. Houve todo um trabalho de base para reforçar a capacidade do sistema para que possa dar resposta quando for solicitado. Foram feitas avaliações, simulações, foram criados centros de isolamento. Ainda há muito a fazer para se fazer chegar esse nível de preparação a todos os distritos, mas está-se a avançar bem, agora também ao nível das províncias.

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Depois, há toda a parte da sensibilização da população. Hoje em dia, acho que não há um moçambicano que não saiba que deve lavar as mãos frequentemente. Todo o mundo sabe que a Covid-19 existe, todo o mundo tem medo da Covid-19, todos têm uma ideia relativamente boa do que deve ser feito para a prevenir. Toda essa parte da comunicação continua, porque há coisas novas para dizer e é um trabalho contínuo, porque exige uma mudança de comportamento, não se consegue num dia ou numa semana.

Temos também toda a parte das medidas que o Governo foi tomando, de forma paulatina, progressiva - medidas que nos parecem as corretas, coerentes e, de certa forma, corajosas também, porque não são fáceis. Há muita gente que precisa, por exemplo, de sair todos os dias e essas medidas podem criar limitações na capacidade que boa parte da população tem de procurar o seu sustento todos os dias. Mas são medidas necessárias. Têm sido adaptadas também às necessidades, com a criação de rotatividade nas empresas que não podem parar. Fechar as escolas, limitar a utilização dos transportes, tira-se aqui o risco. Mercados que devem ter horários mais restritos, igrejas e centros de culto que têm de estar fechados. Tudo isso foi sendo feito aos poucos e eu penso que, se somarmos todas essas ações de preparação do sistema de saúde, de informação da população e medidas que o Governo tem tomado para reduzir riscos, podemos acreditar que surtiram algum efeito no decurso desta epidemia em Moçambique.

DW África: Dizia que ainda há muito trabalho a fazer. Quais são as prioridades da OMS em Moçambique, neste momento?

DC: Neste momento, todo o pessoal técnico da OMS está inteiramente devoto a esta ação e a apoiar o Ministério da Saúde a preparar o sistema de saúde para dar resposta quando for necessário. Também trabalhamos com o Ministério e com os parceiros para finalizar o plano operacional de preparação e resposta à Covid-19, o plano de compra dos equipamentos - que é uma questão fundamental - equipamentos médico-hospitalares, mas também de proteção, todos os materiais necessários que devem ser, na maioria, importados e conhecemos as limitações que existem em relação a isto. Para nós, a prioridade é ajudar o Governo a criar as condições para, primeiro, identificar todos os doentes, tudo o que é rastreio a nível das fronteiras, seguimento de contactos, vigilância. Segundo, tudo o que são sistemas de isolamento e quarentena hospitalar, tratamento, toda essa parte que tem a ver com o sistema de saúde e, finalmente, a sensibilização, criação de uma consciência social, da necessidade de cada um fazer aquilo que tem de fazer, como lavar as mãos frequentemente, a etiqueta da tosse, distanciamento social, não tocar na cara e nos olhos, enfim, todos esses aspetos.

DW África: Ainda neste âmbito do material, na semana passada, a OMS dizia que estava preocupada com a questão dos testes no continente africano, porque um número de testes reduzido poderia significar que os números reais de casos seriam mais altos. É uma preocupação também em Moçambique?

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DC: Isso é uma preocupação talvez dos outros porque, no fundo, nós compreendemos que o número de testes feitos não é tão imenso como noutros lugares e, no início, houve realmente um problema de disponibilidade de testes e material de coleta de amostras, mas acho que isso foi muito no início. Depois, o Governo estava a seguir uma estratégia que foi definida pela OMS e adaptada à realidade local. Existem critérios atrás dos testes, não podemos sair e começar a testar todas as pessoas à nossa frente. Provavelmente, esses critérios vão mudando conforme o avanço da epidemia e o surgimento de novos focos. Hoje em dia, o país não tem grandes problemas em termos de disponibilidade de testes. Ainda tem uma limitação, só tem um laboratório que faz testes, mas já começou a ser implementado um plano para criar novos laboratórios, porque Moçambique é um país muito grande e ter só um lugar onde se faz o teste cria muitos constrangimentos. O Governo está consciente, já fez o plano e já está a implementar, já existem parceiros a financiar isso. Existe essa preocupação de aumentar o número de testes feitos e provavelmente vai aumentar ao longo das próximas semanas.

DW África: Que outras dificuldades encontram?

DC: Por enquanto, os recursos necessários ainda não estão todos disponíveis. Apesar da boa vontade por parte dos parceiros em disponibilizar mais fundos, ainda não está tudo disponível. Mas existe uma outra questão que é mundial: a disponibilidade daquilo que precisamos. Equipamentos de proteção, ventiladores e outros aparelhos médico-cirúrgicos, materiais consumíveis, como luvas, há um problema muito grande de disponibilidade que faz com que não consigamos comprar mesmo quando temos os recursos financeiros. Foi estabelecido um mecanismo mundial para apoiar essa aquisição, mas tem sido um constrangimento. E, em Moçambique, ainda existem todos os constrangimentos ligados a um sistema de saúde frágil. Não temos estruturas sanitárias suficientes, não temos pessoal suficiente, o pessoal precisa de ser formado e a formação leva muito tempo. Estamos a tentar tapar as lacunas. Temos ainda a questão dos serviços de saúde de base, que precisam de continuar a funcionar. Moçambique tem uma alta prevalência de HIV/SIDA, malária, tuberculose. Com esses poucos recursos que temos, o país tem de conseguir organizar-se para dar resposta à Covid-19 mas também continuar a atender às questões básicas de saúde da população.

DW África: Mencionou no início uma perceção generalizada do que é a Covid-19, um grande trabalho de sensibilização. Fora dos centros urbanos, como é que tem sido feito esse trabalho?

DC: É um constrangimento habitual. As ações no sistema de saúde foram feitas inicialmente em Maputo, onde estão os grandes hospitais, onde temos muita população urbana. Todo o trabalho de sensibilização e abordagens comunitárias também tem sido feito, mas é verdade que é mais difícil chegar à zona rural. Existe todo um trabalho feito com organizações não-governamentais, sociedade civil, associações e outros que trabalham nas comunidades. Em Moçambique, cerca de 60% da população vive em zonas rurais, mas a densidade da população é baixa, o que pode ser uma vantagem nesta situação, mas também cria algum constrangimento em termos de atividades comunitárias. Acredito que, com os meios de comunicação que temos hoje, a zona urbana fica privilegiada em termos de acesso à informação, mas as rádios comunitárias também estão a agir. Não tenho como avaliar qual é o grau de penetração, mas penso que tudo o que tem sido feito chega às zonas rurais.

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DW África: Em Moçambique, as autoridades recomendaram o uso de máscaras, por exemplo, nos transportes públicos. Como é que a OMS vê essa recomendação?

DC: É uma intervenção que hoje está a ser utilizada em vários países. O Governo de Moçambique tomou a decisão de adicionar as máscaras a todas as outras medidas - e digo adicionar, porque a máscara sozinha não vai resolver o problema. A máscara vem apoiar todas as outras medidas como a lavagem das mãos, a etiqueta da tosse, o distanciamento social. Pensamos que, como medida de saúde pública, as máscaras podem ter um efeito positivo se forem utilizadas juntamente com as outras medidas. O desafio, aqui, é a dois níveis: para já, a produção de máscaras suficientes e de qualidade aceitável para serem utilizadas por todo o mundo. Tendo em conta que essas máscaras não dão uma proteção muito significativa em termos de barragem do vírus, se forem usadas por toda a gente podem ter eventualmente algum benefício, temos de produzir máscaras de boa qualidade, mas também informar a população que não é um milagre, é um aditivo. É muito importante conseguirmos fazer toda a comunicação necessária, porque temos a sensação de que as pessoas, assim que põem a máscara, sentem-se seguras e já não fazem o resto. Esse é o perigo que temos de evitar e penso que as autoridades estão conscientes disso. Tudo isto refere-se às máscaras não médicas. Isto tem também o grande benefício de deixar as máscaras médicas para as estruturas sanitárias. A ideia de criar máscaras que possam ser reutilizadas, laváveis, feitas localmente, mais baratas, para que possa haver uma utilização de massa e proteger a população, mas também preservar as máscaras cirúrgicas para o pessoal da saúde, que vão estar em grande risco e não podemos perder porque se contaminaram a fazer o seu trabalho.

DW África: Com tudo isto, acha que será possível abrandar a evolução da pandemia em Moçambique?

DC: Tenho de ter esperança que sim. Poderemos conter, na medida do possível, a epidemia. A ideia é evitar que haja milhares de casos muito rapidamente a solicitar o sistema de saúde ao mesmo tempo. O objetivo principal é evitar chegar a essa situação em que vamos ter gente demais a precisar do sistema de saúde e ele não ser capaz de responder a todos.

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