Bissau terá condições para assumir presidência da CPLP?
24 de setembro de 2024A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) agendou para esta segunda-feira (23.09), em Nova Iorque (EUA), um "almoço-encontro" para analisar "os mais recentes acontecimentos político-diplomáticos nos Estados-membros". Algumas fontes diplomáticas, citadas pela agência Lusa, admitiram que a questão da assunção da presidência da organização, no próximo ano, pela Guiné-Bissau poderia ser abordada no referido encontro.
O objetivo é haver uma decisão definitiva sobre o local da próxima cimeira, que será no país que assumir a presidência da organização. De referir que Timor-Leste se pronunciou contra Bissau como palco da cimeira do próximo ano, acusando o PresidenteUmaro Sissoco Embaló de ter instalado um regime com um grave défice democrático.
Em entrevista à DW África, João Soares, ex-ministro português da Cultura e ex-deputado ao Parlamento Europeu, afirma que a Guiné-Bissau deveria organizar a próxima cimeira da CPLP, apesar do défice democrático que existe naquele país. O político português, filho do ex-Presidente de Portugal Mário Soares, referiu também que as críticas feitas entre os "países irmãos da CPLP" podem contribuir para que "quem tem o poder no país criticado ganhe vergonha e inverta a situação".
DW África: Na sua opinião, o que deveria representar hoje a CPLP? É um grupo de Estados soberanos, cujos membros devem ou não interferir nos assuntos internos uns dos outros?
João Soares (JS): A CPLP existe para assegurar uma coordenação entre os países que têm a língua portuguesa e uma cooperação que se deve inclinar sempre para o respeito dos direitos humanos e para as regras democráticas básicas. Mas quando isso não é possível, a cooperação deve manter-se, salvo casos excecionais, não creio que seja restringir essa forma peripatética de assegurar a presença, porque cada país assegura durante um ano [a presidência rotativa da CPLP].
Agora, há evidentemente países que estão em situações muito difíceis do ponto de vista do funcionamento das instituições democráticas, como é o caso da Guiné-Bissau, e não só, mas acho que, salvo situações excecionais, não devem ser excluídos e, pelo contrário, devem ser mais integrados ainda, porque isso ajuda a que haja transformações democráticas.
Angola também é um país onde nunca houve eleições livres e justas, como se diz na linguagem internacional. E, no entanto, ninguém põe em causa a presença de Angola [na CPLP]. Pelo contrário, ela é desejável.
DW África - O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu o Parlamento eleito em 4 de dezembro de 2023. Portanto, é essa a crítica que se lança a ele. Mas mesmo assim, na sua opinião, ele deverá assumir a presidência rotativa da CPLP?
JS: O país sim. Agora quem a exerce é outra coisa. Se a próxima presidência rotativa é da Guiné-Bissau, ela deve exercer.
DW África: Quando há diferenças de ponto de vista em vários aspetos, por exemplo no que diz respeito à guerra Ucrânia-Rússia, à liberdade de imprensa e de expressão, acha que essas críticas no seio da CPLP deveriam ser expressas publicamente ou será que deveria haver canais diplomáticos para garantir que os países ou governos criticados, digamos, não percam a face?
JS: Não. Acho que as críticas, por regra, devem ser feitas publicamente e ninguém perde a face se houver uma crítica que tenha fundamento. Pelo contrário, isso pode ajudar a quem tem as responsabilidad es do poder, que é sempre efémero, tenha vergonha e inverta a situação.
DW África: Acha que os países da CPLP deveriam estar todos alinhados em todos os temas, em todas as áreas, em todos os setores? E quem é que define o que é, do ponto de vista da CPLP, o politicamente correto? A maioria, o mais forte, o mais rico, quem é que deveria definir isso?
JS: Num quadro democrático, os países não podem estar todos alinhados. Se estivessem todos alinhados e a fazerem rigorosamente o mesmo discurso e a tomarem as mesmas decisões, isso significaria que não havia um mínimo de democraticidade na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Hora, felizmente há e é indesejável que tenham todos o mesmo discurso ou afinem todos para o mesmo diapasão.