Críticas ao estatuto para o Presidente angolano cessante
Henry-Laur Allik
16 de junho de 2017
Está a causar estranheza em Angola a decisão do partido governamental angolano MPLA de conferir a José Eduardo dos Santos direitos e privilégios que vão além das habituais honrarias reservadas a um Presidente cessante.
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Angola ainda não tem prática estabelecida no tratamento de Presidentes cessantes. O primeiro, António Agostinho Neto, morreu no exercício das suas funções. José Eduardo dos Santos, no poder há quase quatro décadas, é apenas o segundo chefe que o Estado tem desde a independência em 1975. Na quinta-feira (15/6), o seu partido, o Movimento pela Libertação de Angola, MPLA, apresentou um projecto-lei que propõe para dos Santos o título de "Presidente da República Emérito", com direito a uma pensão vitalícia correspondente a 90% do vencimento durante o último ano de mandato.
As regalias de que gozará dos Santos caso seja aprovado no Parlamento o Projeto de Lei Orgânica sobre o Regime Jurídico dos Ex-Presidentes e vice-presidentes da República Após Cessação de Mandato merecem a crítica da oposição.
Regalias extensíveis a toda a família
Mas não são benefícios como segurança, imunidade, transportes gratuitos, e uma longa lista de outros privilégios para o Presidente cessante que incomodam a oposição, como disse à DW África o líder da União para a Independência Total de Angola, UNITA, Isaías Samakuva: "Achamos que isso é normal para todos os países. Mas é preciso que tudo se faça no quadro daquilo que a Constituição prevê. Achamos que nesta proposta feita pelo MPLA há questões que não estão previstas na Constituição".
A especialista Mihaela Webba, assessora de Samakuva para assuntos jurídicos e constitucionais, explica a origem das ressalvas da UNITA: "O artigo 133 da nossa constituição vem estabelecer o estatuto especial, regalias e imunidades, para o antigo Presidente da República. Não estabelece para o vice-Presidente, não estabelece para a primeira-dama, não estabelece para os filhos do antigo presidente”. A UNITA considera problemática a tentativa de "misturar numa mesma proposta o estatuto do antigo presidente, o estatuto do antigo vice-presidente, o estatuto da antiga primeira-dama e os estatutos dos filhos do antigo Presidente da República", disse Webba.
Criticas internas
Mas não é esta a única dúvida que se coloca, acrescentou a especialista: "Angola ainda é uma república, não é uma monarquia, e portanto a imunidade do Presidente não é extensível à esposa e aos seus filhos”.
A proposta de lei parece também não reunir o consenso dentro do MPLA. Na apresentação, a deputada Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto, teceu várias críticas ao seu conteúdo, salientando que "ninguém pode dizer que a família presidencial é pobre, podendo, por esta razão, atender às suas necessidades pessoais e políticas, com a dignidade que correspondam às altas funções exercidas". Irene Neto contrastou ainda os benefícios planeados para a família dos Santos às vicissitudes pelas quais passou a sua família após a morte do pai.
1606 Pesidente cessante - MP3-Mono
Aprendizes na oposição
Já o seu colega de bancada João Pinto considera que as regalias para o Presidente cessante e a sua família são justificadas pelos méritos que adquiriu durante os quase 40 anos de governação: "Como é que fica um presidente que ficou exposto durante 38 anos que derrubou o apartheid? Foi Angola que afrontou o regime sul-africano. E quem estava nos comandos foi o presidente José Eduardo dos Santos". Pinto segue explicando que "foi o Presidente José Eduardo dos Santos que desminou o território todo", para além de ter posto os caminhos de ferro a funcionar, criar universidades e integrar politica e socialmente a UNITA, impedindo atos de "vingança" contra os seus membros e ainda amnistiando os ex-guerrilheiros, disse Pinto à DW África.
Para o deputado do MPLA, a recusa da UNITA de aprovar o projeto-lei nos presentes moldes – confirmada pelo líder da oposição Samakuva à DW África - tem uma explicação simples: a falta de sentido de Estado da oposição angolana, que ainda se encontra em "processo de aprendizagem” de democracia. Segundo Pinto: "A nossa oposição ainda confunde a justiça com vingança e confunde o argumento com o ataque pessoal
O projeto de lei, que será debatido na próxima semana, deverá ir a votação na quinta-feira, 22 de Junho.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.