Crianças guineenses faltam à escola para fazer circuncisão
Braima Darame (Bissau) | Lusa
20 de março de 2018
Associação da Guiné-Bissau denuncia que "centenas de crianças" estão a faltar às aulas para ir às barracas de circuncisão e pede ao Estado para agir. Responsável por circuncisão diz que ritual "não pode" ser adiado.
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Centenas de crianças estão a sair das suas casas para realizar o ritual de circuncisão. Ao invés de ir à escola, seguem o caminho das barracas, locais no mato onde o ritual é realizado.
Segundo a Associação de Amigos da Criança (AMIC) da Guiné-Bissau, há pelo menos dois locais nos arredores de Bissau onde estão a ser realizadas circuncisões, alegadamente sem a autorização do Governo.
Fernando Cá, administrador da AMIC, diz não compreender como, em plena época das aulas, as autoridades ficam em silêncio ao ver passar nas ruas de Bissau crianças que vão para as barracas perto do mar, acompanhadas de familiares e amigos.
"Apesar de estarmos num país em que o Governo é fraco, antes de praticar qualquer coisa dessa natureza, os pretendentes têm de ter autorização prévia da entidade competente. Neste momento, na barraca já há cerca de 400 a 500 crianças, que obviamente abandonaram a escola e foram para o ritual", afirma.
Ritual "não pode" ser adiado
Em entrevista à DW África, um dos responsáveis pela circuncisão garante que informou as autoridades. Lufundam Cá diz que não pode adiar o ritual.
Crianças guineenses faltam à escola para realizar o ritual de circuncisão
"Tudo isso tem a ver com Irã, a força divina. Quando chega o ano de praticar o fanado [ritual da circuncisão], não podes adiar. Realizamos sempre a circuncisão de fevereiro até maio, antes da época das chuvas. Fui ao Ministério do Interior dar conhecimento às autoridades do país", justifica.
Lufundam Cá frisa que nunca forçou as crianças a sair de casa dos pais: "Nunca peguei ninguém na mão para levar à barraca. Peço-lhes apenas os números dos telefones dos pais, para informar. Não sei se vão à escola ou se são analfabetos como eu. Acho que os pais é que devem controlar seus filhos em casa. Mas quem vier até aqui, não posso fazer nada", adverte.
Cá cita a lei da barraca, que prescreve que, uma vez no local, as crianças têm de fazer o ritual da circuncisão.
A AMIC observa, no entanto, que é preciso que o Governo crie leis sobre o período de realização do ritual, a fim de evitar faltas na escolas. A associação pede ainda o envolvimento das autoridades na problemática da circuncisão, tal como fez em relação à questão da excisão genital feminina, oficialmente criminalizada na Guiné-Bissau desde 2011.
Contactado pela DW África, o Governo não quis comentar o assunto.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.