Crianças proibidas de mendigar nas ruas da Guiné-Bissau
Iancuba Dansó (Bissau)
23 de março de 2023
A partir de segunda-feira (27.03), não pode haver crianças a mendigar nas ruas da Guiné-Bissau, ordenou o Presidente Sissoco Embaló, que considera vergonhoso mandar os talibés pedir esmolas. "Isso não é Islão", diz.
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Há anos que o fenómeno das crianças talibés - alunos do ensino corânico - em situação de mendicidade nas ruas da Guiné-Bissau é preocupante. E desencadeou várias iniciativas das organizações que trabalham pela proteção dos menores para o combate dessa prática.
Várias crianças guineenses retiradas das ruas do Senegal foram entregues aos seus familiares, mas no próprio país, em particular na capital Bissau, a situação parece agravar-se, o que levou a uma tomada de posição do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, na passada quarta-feira.
No ato da inauguração de um complexo escolar, no leste da Guiné-Bissau, o chefe de Estado guineense dera o prazo de uma semana para a retiradas das crianças talibés das ruas do país.
"Ponham os vossos filhos na escola e deixem de mandar as crianças para pedir, isso não é Islão. Ministro do Interior, tem uma semana para acabar com a mendicidade das crianças nas ruas. Quem mandar o seu filho para as ruas, o seu mestre corânico será detido", avisou.
Mas esta segunda-feira (20.03), depois de uma reunião de mais de quatro horas, no Ministério do Interior, entre organizações defensoras dos direitos das crianças, mestres corânicos e autoridades, ficou acordado que os talibés serão retirados das ruas do país, a partir de 27 de março.
Mais de 700 crianças talibés em Bissau
Segundo os dados da Associação Guineense de Luta Contra Migração Irregular, Tráfico de Seres Humanos e Proteção das Crianças (AGLUCOMI-TSH), há 22 escolas corânicas em Bissau onde foram registadas 721 crianças talibés, entre os 3 e os 18 anos de idade. Duzentas delas vão para as ruas, diariamente, para pedir dinheiro - e entre elas, só 15% são órfãs.
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Suleimane Embaló, presidente da organização, disse que a Guiné-Bissau é um dos Estados que assinaram e ratificaram as convenções internacionais a favor das crianças, mas esses dispositivos não são cumpridos no país.
Embaló deu exemplo de um caso recente que envolveu um mestre corânico, na capital guineense: "Um mestre [corânico] foi apanhado em situação a normal, foi detido 45 dias e depois foi solto sem que a justiça fosse feita. Os mestres diziam que não tinham condições para para assegurar as crianças e neste sentido, negociamos com eles para retirarem crianças das ruas".
No fim do dia, o talibé que não apresentar ao mestre corânico uma determinada soma em dinheiro, é sujeito a violência física, assédio moral e até ao abandono, aponta ainda Suleimane Embaló."
"Se não têm sustento, fechem as escolas"
Para o presidente do Parlamento Nacional Infantil (PNI), Leoni Fernando Dias, o argumento dos mestres corânicos não convence. "Muitas vezes, os líderes corânicos dizem que enviam crianças para as ruas do país porque não têm sustento para elas. Então, se não têm sustento, convém fecharem as suas escolas, porque eu não posso ter uma escola corânica e depois não ter sustento para as crianças", argumenta.
Segundo o presidente da Associação Guineense de Luta Contra Migração Irregular, Tráfico de Seres Humanos e Proteção das Crianças, o fenómeno da criança talibé em mendicidade ainda persiste, porque há uma manipulação da opinião pública.
"As pessoas estão a tentar confundir a opinião pública, porque a mendicidade não faz parte do islão e são coisas que estão a tentar inventar. A mendicidade é o fator da pobreza e não tem nada a ver com a religião", conlcui Suleimane Embaló.
A dor dos talibés
Entregues pelos pais para serem educados por líderes religiosos, os meninos são agredidos por professores e obrigados a mendigar nas ruas. Escolas corânicas no Senegal são ambiente de sofrimento e exploração infantil.
Foto: DW/K. Gomes
Infância perdida
Nas paredes desta escola corânica, no Senegal, rabiscos contornam figuras de bonecos e estrelas. Aqui, as fantasias de criança convivem com uma realidade amarga. Meninos conhecidos como talibés são separados da família para aprender o Corão.
Foto: DW/K. Gomes
Sem portas nem janelas
Afastada do centro da cidade de Rufisque, no oeste do Senegal, fica esta estrutura abandonada, sem portas nem janelas. Esta madrassa, como é chamada a escola corânica, abriga cerca de 20 crianças entre três e 15 anos de idade. A falta de infraestrutura torna a rotina dos talibés ainda mais penosa.
Foto: Karina Gomes
Desprotegidos
Este é um dos quartos onde os talibés dormem. Não há camas, nem cobertores. E também faltam travesseiros. Os meninos deitam-se sobre sacos plásticos, no chão de areia. Nos dias frios, a maioria fica doente e não recebe tratamento médico adequado.
Foto: Karina Gomes
Aulas sobre o Corão
As crianças são entregues pelos pais aos marabus – poderosos líderes religiosos do país – para terem aulas sobre o Corão. Os professores têm uma reputação social elevada e é a eles que muitas famílias pobres do Senegal e da vizinha Guiné-Bissau confiam a educação dos filhos.
Foto: DW/K. Gomes
Entre livros
Tábuas com palavras em árabe e exemplares do livro sagrado estão espalhados pela madrassa. Os talibés acordam diariamente por volta das cinco da manhã para aprender o Corão. Em coro, recitam repetidamente trechos do livro sagrado.
Foto: DW/K. Gomes
Mendigos
Depois das orações, os meninos são obrigados a pedir dinheiro nas ruas e a conseguir algo para comer. Cada professor estipula uma quantia diária. Se os meninos não conseguem cumprir, são espancados. "Tínhamos de levar dinheiro para sustentar o marabu e a sua família, porque ele vivia disso. Eu sofri muito. Uma vez fui espancado porque cheguei atrasado", conta o ex-talibé Soibou Sall.
Foto: DW/K. Gomes
Amigos de rua
Os talibés vestem-se com roupas velhas e rasgadas e a maioria anda descalça. Chegam a mendigar sete horas por dia pelas ruas de Rufisque. Eles também pedem esmolas perto da estrada que liga a cidade à capital, Dakar. Curiosos, estes dois amigos aproximam-se e pedem para ser fotografados. E sorriem, apesar da rotina dolorosa.
Foto: DW/K. Gomes
Hora da refeição
Sentados no chão de areia, os talibés juntam-se para comer o que conseguiram nas ruas. Hoje têm arroz, vegetais e alguns pedaços de frango para dividir. Há restos de comida espalhados pelo plástico preto. "Gosto de viver aqui. Eu tenho paz", diz Aliou, de 8 anos.
Foto: DW/K. Gomes
Condições degradantes
Nesse espaço comum fica uma espécie de casa-de-banho e há muito lixo no chão. Os meninos andam descalços sobre objetos cortantes. Há chinelos e roupas velhas por toda a parte. Os meninos são constantemente vigiados por adolescentes que foram talibés na infância e auxiliam os professores. Agressões são constantes.
Foto: DW/K. Gomes
Exploração
As escolas alcorânicas surgiram nas zonas rurais do Senegal. Os meninos trabalhavam na lavoura e tinham aulas sobre o Alcorão. Com as constantes secas, os marabus foram forçados a aproximar-se das grandes cidades, como Dakar. Com dificuldades financeiras para sustentar todas as crianças, o incentivo à mendicância infantil tornou-se uma atividade rentável.
Foto: DW/K. Gomes
Sem os pais
Por chegarem muito pequenos às daaras, muitos meninos desconhecem o motivo de terem saído da casa dos pais. Bala, de 11 anos, não vê a mãe há sete anos. "A minha mãe está viva e tenho saudades dela. Estou aqui em Rufisque desde muito pequenino. Depois da escola, eu vou pedir dinheiro", diz. "Preferia viver com os meus pais."