Criminosos ameaçam magistrados e procuradores no Niassa
Manuel David (Lichinga)
26 de junho de 2019
Um grito de socorro surge na província no norte de Moçambique depois do ataque armado contra o juiz-presidente de um tribunal distrital. Governadora alega que efetivo policial é insuficiente para combater criminalidade.
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Magistrados e procuradores do Niassa, norte de Moçambique, estão a pedir proteção policial. Durante um encontro recente com a governadora provincial Francisca Domingos Tomás, os funcionários da Procuradoria do Niassa disseram que são alvos de ameaças de morte por parte de desconhecidos e pediram ao governo provincial que garanta a segurança aos juízes e procuradores.
Os funcionários denunciaram que o fenómeno tem estado a ser frequente nos últimos dias. "Somos ameaçados nas zonas. Não só os magistrados que são ameaçados. Só por saberem que somos funcionários da Procuradoria provincial ou alguém que trabalha com a Justiça, fazem ameaças. Corremos os mesmos riscos até o último da instituição. Queremos saber por parte do governo as medidas de proteção de todo funcionário que trabalha com a Justiça", diz Tomás Augusto, funcionário daquela instituição penal moçambicana.
Criminosos ameaçam magistrados e procuradores no Niassa
A governadora da província solidarizou-se com a situação, mas não prometeu resolver o problema a curto prazo devido à falta de agentes da polícia. Francisca Domingos Tomás alega que o número de efetivos é insuficiente para responder à demanda de criminalidade na província.
"Nós ficamos com muita tristeza. Ouvimos que um nosso magistrado foi atentado pelos criminosos, e isso não tem sido a nossa maneira de ser, mas sim, os criminosos tentam invadir a todo custo aquilo que tem sido o nosso trabalho. Nós dissemos à polícia que trabalhe e encontre aqueles malfeitores que se envolveram no ato, porque aquilo mancha a atuação do nosso governo e a atuação da nossa PRM [Polícia da República de Moçambique]", diz.
"Queríamos nos solidarizar a todos magistrados e assegurar que o governo provincial vai continuar a trabalhar na proteção de todos os nossos magistrados e nós estaremos atentos a situações idênticas. Continuaremos a trabalhar juntos. Não se sintam isolados. Estamos juntos nesta guerra contra os malfeitores", acrescentou.
Onda de temor
A onda de medo agravou-se com o ataque contra o juiz-presidente do Tribunal Judicial Distrital de Cuamba ocorrido a 13 de junho na Vila Autárquica de Cuamba. O juíz Bolis Júlio saiu ileso junto da sua família.
Reagindo a este caso, o comando provincial da PRM no Niassa, através do seu comandante Arnaldo Chefo, garantiu que está a fazer um esforço para esclarecer o crime.
"Vamos na medida do possível proteger as residências. Os colegas sempre estiveram no desempenho das suas funções e temos dito que sempre que alguém se sentir ameaçado é comunicar-nos. Nós sempre temos equipes para ajudar e intervir em qualquer situação", disse.
"É só fazer a questão de nos dar sinal e nós estaremos presentes para poder ajudar. Para o caso do nosso magistrado, há um trabalho no terreno e oportunamente poderemos esclarecer", concluiu Arnaldo Chefo.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.