Crise alastra-se entre companhias aéreas em Angola
Lusa | cvt
15 de julho de 2017
Transportadora portuguesa TAP está a comprar dívida pública angolana, indexada ao dólar, para se precaver de novas desvalorizações do kwanza. Antes, Emirates cancelou contrato com a angolana TAAG.
Publicidade
A informação, compilada este sábado (15.07) pela agência Lusa, resulta de uma análise ao relatório e contas de 2016 da TAP, em que a companhia aérea portuguesa reconhece as dificuldades no repatriamento de depósitos em moeda nacional angolana, provenientes das operações em Luanda, para onde voa diariamente.
Por este motivo, a TAP estaria a comprar dívida pública angolana, indexada ao dólar, para se precaver de novas desvalorizações do kwanza, face às dificuldades em repatriar dividendos bloqueados em Angola, que já ascendem a 100 milhões de euros.
A transportadora refere que as vendas para Angola caíram cerca de 20% em 2016, face ao ano anterior, situação "acompanhada de uma redução da oferta de voos muito significativa".
Além disso, a empresa portuguesa, que em Luanda já deixou de aceitar moeda nacional angolana para pagar viagens com início fora daquele país africano, identifica que teve de "mitigar problemas relacionados com a acumulação de valores pendentes de autorização de transferência para Portugal".
"Mais de metade dos valores depositados em Angola, em final de 2016, estavam salvaguardados de novas desvalorizações cambiais, como a que sucedeu em janeiro de 2016, visto ter sido utilizada uma parte dos depósitos em kwanzas para a aquisição de obrigações do tesouro angolano indexadas ao valor do dólar", refere a companhia.
Em concreto, a TAP afirma ter subscrito, no decorrer do exercício de 2016 e utilizando mais de metade dos depósitos que tinha então retidos nos bancos angolanos, Obrigações do Tesouro de Angola no montante total de 6.899 milhões de kwanzas (39,6 milhões de euros), "correspondentes à taxa de câmbio original de 165,074 kwanzas por dólar".
Estas obrigações têm como data de maturidade 06 de dezembro de 2018 e encontram-se indexadas ao valor do dólar, não sujeitas por isso a eventuais novas desvalorização do kwanza.
Além destes títulos, a TAP fechou o ano de 2016 com depósitos bancários em Angola no montante de 35,9 milhões de euros, os quais não consegue repatriar.
Em crise desde 2014
Angola vive, desde finais de 2014, uma profunda crise financeira, económica e cambial decorrente da quebra para metade nas receitas com a exportação de petróleo, tendo desvalorizado o kwanza, face ao dólar, em 23,4% em 2015 e mais 18,4% ainda no primeiro semestre deste ano.
A taxa de câmbio oficial cifra-se atualmente nos 166 kwanzas (93 cêntimos de euro) por cada dólar, quando antes do início da crise das receitas do petróleo, ainda em 2014, era de 100 kwanzas.
Somando depósitos e títulos soberanos angolanos, a TAP tinha em Angola, retidos, sem conseguir repatriar, a 31 de dezembro de 2016, cerca de 75,5 milhões de euros.
Dados recolhidos pela Lusa junto à empresa portuguesa apontam que esse valor subiu mais 25 milhões de euros só no primeiro semestre de 2017, ascendendo já a 100 milhões de euros, sendo esta a verba total da companhia retida em Angola.
Informações não confirmadas pela companhia árabe indicam que a dívida total angolana à Emirates ascende a 340 milhões de dólares (300 milhões de euros).
Numa declaração enviada à Lusa, em Luanda, a transportadora refere igualmente que está a "tomar medidas no sentido de reduzir a sua presença em Angola" e que vai reduzir de cinco para três o número de frequências semanais para Luanda.
"Esta questão tem-se mantido sem solução, apesar de inúmeros pedidos feitos às autoridades competentes e garantias de que medidas seriam tomadas", refere a companhia árabe.
Várias operadoras aéreas queixam-se da dificuldade em repatriar dividendos das vendas em Angola, por falta de divisas, e nos últimos meses cancelaram ligações para Luanda ou colocaram limitações nas vendas.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".