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Crise de cólera na África Austral: Só a vacina não chega

DW (Deutsche Welle) | com agências | mjp
13 de fevereiro de 2024

Com o aumento dos casos de cólera em Moçambique, Zimbabué, RDC, Zâmbia e Malawi, falta de água potável e saneamento continuam a colocar milhões de pessoas em risco no sul do continente africano.

Harare enfrenta surto de cólera
Foto: JEKESAI NJIKIZANA/AFP/Getty Images

Em Brondo, no sudeste da República Democrática do Congo (RDC), o acesso à água potável é essencial para sobreviver. Apesar da chuva abundante durante grande parte do ano, a região não dispõe de tratamento de água adequado.

Para residentes como Betty, o acesso a saneamento e a água tratada é, portanto, extremamente limitado. "Bebemos água suja. Há fossas sépticas a transbordar e a água da chuva traz o lixo da cidade para dentro das casas", conta Betty à DW. Os especialistas em saúde emitiram novos avisos sobre o aumento de casos de cólera na região.

A doença está a alastrar-se também em Moçambique, no Zimbabué e na Zâmbia e os países vizinhos estão atentos às suas fronteiras.

No entanto, as soluções a longo prazo contra o surto encontram-se ao nível local - especialistas alertam para a necessidade de tratamento da água e da existência de redes adequadas de saneamento, além das campanhas de vacinação.

Agente patogénico da cóleraFoto: Dr.Gary Gaugler/OKAPIA/picture-alliance

"Enquanto não conseguirmos melhorar as condições de higiene e saneamento, continuaremos a ter desafios no tratamento da cólera", frisa Inácio Mandomando, coordenador da área das doenças bacterianas, virais e outras tropicais do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça, Moçambique.

Moçambique em marcha lenta

"É certo que já existem vacinas, que têm sido usadas durante os surtos de cólera" que evitam "casos mais graves ou que terminem em óbitos ou mesmo na sua propagação", afirma. Mas "no final do dia, continuamos com a mesma forma de tratar e também de prevenir, aconselhando e educando as comunidades a aderirem à higienização das mãos, enquanto lutamos para melhoria das condições de higiene e saneamento que é a chave contra a propagação da cólera", insiste.

Moçambique está em alerta, com cerca de 40 mil casos de cólera e 151 mortes registadas até agora. No entanto, os números remontam a setembro de 2022, marcando uma marcha lenta em direção a uma situação endémica.

Em janeiro, as autoridades sanitárias moçambicanas vacinaram mais de 2,2 milhões de pessoas nos distritos mais afetados pelo atual surto da doençaFoto: Conceicao Matende/DW

De acordo com o boletim sobre a progressão da doença em Moçambique, elaborado pela Direção Nacional de Saúde Pública do país, até 31 de janeiro estava contabilizado um acumulado de 10.859 casos de cólera desde 1 de outubro. Desde o início de janeiro que não se registavam oficialmente óbitos por cólera em Moçambique, mas no período de 29 a 31 de janeiro foi contabilizada a 26.º vítima mortal do atual surto, neste caso na província de Tete.

Alerta vermelho no Zimbabué

No Zimbabué, a situação é crítica: o país já registou cerca de 22 mil casos e mais de 450 mortes desde fevereiro do ano passado.

Médicos como Michael Vere, do Hospital de Harare, criticam a falta de sensibilização para medidas de prevenção: "As pessoas não tratam a água dos furos, assumem que é segura mas, no entanto, os furos em Harare não são seguros, a água não é segura. Incentivamos as pessoas a tratar toda a água, independentemente da fonte".

Na capital, o problema agrava-se pela densidade populacional em certas zonas, como o subúrbio de Highfield. As comunidades enfrentam agora uma escassez de áreas seguras para as crianças brincarem, uma vez que os esgotos correm pelos quintais e nas ruas.

Campanha de vacinação em Harare, em janeiroFoto: Jekesai Njikizana/AFP

Chiedza Zulu, mãe de quatro filhos, está preocupada. "Estão a surgir casos de cólera à nossa volta. Agora guardamos sais de hidratação oral para o caso de contrairmos a doença. O esgoto está a correr e o lixo não está a ser recolhido. Há muitas moscas, roedores e mosquitos. Isto é insuportável", explica.

Com casos suspeitos e confirmados em 61 dos 64 distritos, o Governo do Zimbabué toma medidas para combater o surto. As autoridades sanitárias criaram 153 centros de tratamento da cólera e deram início a uma campanha de vacinação. No entanto, a escassez mundial da vacina contra a cólera cria dificuldades.

Douglas Mombeshora, ministro da Saúde e da Infância do Zimbabué, frisa que a vacina não é uma solução rápida para acabar com a crise: "A vacina não é o fim da cólera, mas sim uma resposta temporária que deveria ser complementada com investimentos concretos no abastecimento de água potável".

RDC tem água contaminada

A República Democrática do Congo também se debate atualmente com um surto de cólera de longa duração.

Apesar dos esforços em curso para reforçar a vigilância e a resposta à doença, registaram-se cerca de 300 casos de cólera na província de Alto Catanga, no sudeste da RDC, desde o início do ano.

Albert Tambwe, diretor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Lubumbashi, atribui o aumento de casos às condições gerais de falta de higiene. "A conclusão é que a nossa água está, de facto, 52% contaminada, mas com salmonela e outros germes", disse, sublinhando a luta diária que as pessoas enfrentam sempre que abrem as torneiras.

Tambwe, no entanto, acrescentou que ainda não se registou qualquer taxa notável de bactérias da cólera na água.

Paciente de cólera em isolamento no Hospital de Lilongwe, MalawiFoto: Thoko Chikondi/AP Photo/picture alliance

Malawi: Poucos casos, mas alerta mantém-se

Entretanto, no vizinho Malawi, só se registaram 58 casos de cólera até agora. No entanto, os especialistas em saúde estão a apelar ao Governo para que, apesar disso, atribua mais fundos a programas de água, saneamento e higiene, e não descanse perante os números mais baixos de casos em comparação com os países da região.

O Ministério da Saúde tem vindo a monitorizar ativamente a doença desde o início da sua campanha nacional para acabar com a cólera, em 2023. Mas os observadores dizem que as medidas tomadas não são suficientes para lidar com esta "bomba-relógio": o acesso a água potável continua a ser limitado.

500 vítimas mortais na Zâmbia

Na Zâmbia, o início do ano letivo foi adiado pela segunda vez, esta semana, devido ao surto de cólera que já matou mais de 500 pessoas em 10 mil casos registados desde outubro.

Nove das 10 províncias do país registaram casos de cólera, embora a grande maioria se tenha registado em Lusaka, uma cidade com cerca de 3 milhões de pessoas, onde as autoridades criaram um centro de tratamento improvisado junto ao Estádio Nacional dos Heróis.

Trabalhador distribui água a pacientes no centro de tratamento temporário da cólera em LusakaFoto: Namukolo Siyumbwa/REUTERS

Na semana passada, o país recebeu um primeiro lote de mais de um milhão de doses orais de vacinas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para combater o surto.

O Ministério da Saúde também intensificou as medidas para travar a propagação, incluindo a limitação a cinco do número de pessoas que podm assistir ao funeral de uma morte causada pela cólera.

Resposta coletiva da SADC

Em resposta à escalada da crise sanitária, os líderes da Comunidade de Desenvolvimento da África Australconceberam uma estratégia coletiva para combater a cólera, comprometendo-se a aumentar o investimento em infraestruturas de água e saneamento na região.

O Presidente angolano, João Lourenço, que assume atualmente a presidência rotativa da SADC, lembrou que "a cólera não conhece fronteiras" e "exige uma abordagem regional para a combater".

Numa cimeira virtual, os líderes do bloco concordaram em assegurar uma gestão eficiente dos resíduos e um abastecimento sustentável de água potável.

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