Estudantes angolanos por conta própria e risco em Portugal
12 de junho de 2017Walter Sousa não quer expor-se. Mas disse à DW África que veio para Portugal fazer o curso na área dos Sistemas de Informação. A dada altura, em 2016, devido à persistente dificuldade de transferência de dinheiro em Angola, teve forçosamente que desistir do mestrado. Agora trabalha com o objetivo de juntar dinheiro suficiente para acabar os estudos com segurança.
Ele é um dos muitos estudantes angolanos, sem bolsa, que vivem condicionados devido aos atrasos no envio de dinheiro pelos pais, que em Angola têm encontrado obstáculos para transferir dinheiro para Portugal.
Confirma a informação Luís Victorino, estudante a terminar o mestrado na área da Contabilidade e Finanças, no Instituto Politécnico de Setúbal, também ele vítima deste problema: "Realmente é verdade, há muitos estudantes angolanos aqui que nessa fase da crise estão a optar mesmo por deixar de estudar e trabalhar para juntar recursos e posteriormente darem continuidade aos estudos."
Outro caso de estudante por conta própria é o do jovem Cândido Pedro, conhecido por Dumas, a residir em Portugal desde os 10 anos. Ele está a concluir a sua formação na área de engenharia eletrotécnica e computadores. Também enfrenta muitas dificuldades para concluir o curso, financiado pelo pai reformado em Portugal e por biscatos esporádicos que faz.
Fome e ameaças de congelamento de matrículas
Duma conta: "Praticamente dependo só do meu pai e também fui pai entre o terceiro e o quarto anos da faculdade. Isso também prejudicou-me um pouco, porque tinha que arranjar meios para me sustentar a mim e a minha criança e também suportar as despesas da escola. E também perdi algum foco, algum poder de embalo que já tinha para poder terminar o curso mais cedo. Aí sim, senti e tenho sentido até agora algumas dificuldades."
Não tem bolsa do Governo e nem recebe alguma transferência de Angola, mas Dumas não desistiu, mesmo com as intempéries da vida estudantil. A DW África encontrou situação idêntica no Porto, onde Elizabeth Faustina concluiu o mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde: "Até o último mês em que se deu a crise lembro-me que a última mesada ou ajuda de custo que eu recebi foi enviada através de alguém que veio cá de férias. Inicialmente mandavam-me mil euros, mas eu não gastava os mil euros num mês. Era mesmo por uma questão de segurança e garantia de que não me ia faltar nada. Eu geria da melhor maneira possível."
Assim que se deu a crise financeira em Angola, Elizabeth conta que acumulou uma dívida de cerca de 8 mil euros junto à Faculdade. Recebeu avisos de que iriam congelar a matrícula por falta de regularização dos pagamentos. Por falta de dinheiro, houve momentos em que não teve o que comer. Passou quatro dias com fome. "Não tinha nada em casa, nem bolachas, bebia água da torneira. Nem tinha como pagar o passe de transporte", precisa.
Passou momentos difíceis que, de algum modo, a tornaram uma pessoa revoltada na altura. Mas a determinação falou mais alto e conseguiu ultrapassar as barreiras, mesmo sem a ajuda do Estado angolano: "E sacrifiquei-me como sempre. Batalhei. Deu-se a crise em Angola e os meus pais ficaram com dificuldades de enviar dinheiro. Comecei a trabalhar em cafés e, pronto, concluí o meu mestrado e cá estou eu de malas feitas [para regressar a Angola]."
Negociar facilidades com universidades é uma das saídas
A demora nas transferências causou muitos transtornos, levando alguns jovens a regressarem a Angola. Não tinham como provar a sua subsistência. Face a isso, muitos dos que por cá ficaram têm recorrido à Associação dos Estudantes Angolanos, de que é presidente Luís Victorino: "O que nós temos feito é negociar com as universidades e pedir a flexibilidade na cobrança das propinas."
Outra alternativa, segundo Victorino, "é pedir para que os estudantes tenham a oportunidade de fazer requerimentos em que lhes sejam permitidos pagar a propina por prestações para que não sejam impedidos de fazerem exames, inscrições ou de se matricularem para os anos seguintes com dívidas de anos letivos anteriores."
Entre as instituições, destaca a colaboração do Instituto Politécnico de Setúbal, a Universidade Lusófona e a Universidade Autónoma de Lisboa. Por atraso das transferências e falta de dinheiro, a Associação também tem pedido apoio na questão da legalização ao Alto Comissariado para a Imigração, no sentido de facilitar a atribuição ou renovação de títulos de residência aos trabalhadores estudantes.
Por sua vez, adianta, o Consulado da Embaixada de Angola em Portugal tem prestado algum auxílio e promovido atos consulares gratuitos facilitando aos estudantes a renovação da sua documentação.
Luís Victorino adianta que há por parte do Governo de Luanda promessas de que tudo está a ser feito para se resolver este problema de transferências o mais breve possível. É que este problema afeta igualmente os bolseiros devido aos atrasos permanentes no pagamento das bolsas por parte do Governo de Angola.