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Moçambique: "Solução tem de ser encontrada a nível interno"

6 de dezembro de 2024

Como ficam os limites entre o direito à manifestação e a prática de crimes? Quem deve assumir responsabilidades pelos impactos da crise política em Moçambique? O académico Hilário Chacate respondeu à DW.

Protestos em Maputo, capital de Moçambique
"Quando vemos as imagens que circulam nas redes sociais, já ficamos aterrorizados", afirma Hilário Chacate, preocupado com a reputação de MoçambiqueFoto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

A violência em Moçambique passou dos limites e nunca se imaginou que a situação chegasse "a este nível", afirma em entrevista à DW o analista Hilário Chacate, para quem os atores em conflito "estão a jogar fora das normas".

Diz que, se por um lado, a polícia tem estado a usar a força "de forma desproporcional", por outro lado, considera que há manifestantes que estão a exercer o seu direito, mas "colocando em causa direitos de vários segmentos da sociedade."

E face ao atual cenário de crise política, como ficam os limites entre o direito à manifestação e a prática de crimes? Quem deve assumir responsabilidades?

O académico moçambicano não tem dúvidas de que esse papel cabe ao Governo de Moçambique. E também defende que deve ser encontrado "um meio termo para dialogar". Quanto à comunidade internacional, considera que pouco terá a fazer, a não ser continuar a pressionar, porque "a solução está em Moçambique" e "não virá de fora".

DW África: A violência em Moçambique já passou dos limites?

Hilário Chacate (HC): Claramente, nunca ninguém imaginou que nós chegaríamos a este nível. Todos acreditávamos que o bom senso poderia prevalecer entre as partes, entre o Governo, que neste momento, é o ator que tem capacidades e responsabilidade, acima de tudo, de convidar os outros atores para um diálogo franco. Também entendia que o Venâncio Mondlane não iria puxar tanto a corda para o nível que ele puxou, mas percebo que ele está a fazer o seu jogo. Mas este jogo está a custar vidas, está a custar destruição de infraestruturas. Como se sabe, a economia moçambicana é extremamente frágil. Neste momento, está completamente colapsada.

A violência está a custar vidas e a destruição de infraestruturas, afetando também a economia moçambicana, que é extremamente frágilFoto: Amos Fernando/DW

E a própria reputação. Nós, dentro de Moçambique, quando vemos as imagens que circulam nas redes sociais, já ficamos aterrorizados. Agora, imaginemos os atores económicos que possam ter algum interesse em investir em Moçambique, olhando as imagens que circulam, o caos que se instalou no país. Isso desencoraja qualquer indivíduo que olha para Moçambique como uma espécie de Somalilândia.

DW África: A somar a tudo isso, há também excesso policial, há também atos de vandalismo. Quem é que pode estabelecer limites entre o direito à manifestação e os crimes? Quem é que pode fazer algo?

HC: O que está a acontecer neste momento é que, no meu entendimento, as partes, todas elas, estão a jogar fora das normas. Refiro-me desde os atores que administram os processos eleitorais, que são acusados de terem feito esse processo violando as normas por conta da suposta fraude, e os que se manifestam. Neste momento, manifestam-se impedindo todos os outros moçambicanos que não têm interesse de manifestar-se. Refiro-me ao direito de circular, que está neste momento colocado em causa.

Todos os outros direitos, liberdade de fazer negócio, tudo isso está neste momento condicionado. Significa que os manifestantes estão a exercer o seu direito colocando em causa os direitos de vários outros segmentos da sociedade.

A polícia também, sem sombra de dúvidas, tem estado a usar de uma forma desproporcional a força. Para alguém se manifestar em Moçambique não é preciso pedir autorização, mas é preciso comunicar às autoridades, comunicar o itinerário, comunicar a hora em que a manifestação vai acontecer. Tudo isso foi rasgado e ninguém está a obedecer. Cada um faz a manifestação onde quer, no seu bairro, na rua... Mas o meu entendimento é que as partes devem encontrar um meio termo para dialogar e encontrar outro tipo de soluções, fora de ater-se à dimensão jurídica institucional. [É preciso] também procurar outro tipo de soluções que estão fora deste domínio jurídico, mas também [considerar] problemas políticos e problemas sociais.

DW África: Até porque a Constituição moçambicana também criminaliza todos os atos de vandalismo. Portanto, como limitar tudo isto? Quem deve assumir responsabilidades nesse sentido, neste momento?

HC: Para mim, a responsabilidade sempre recai sobre o Governo. Eu disse desde o início, quando o senhor Venâncio anunciou que iria marchar durante sete dias e que essas marchas ou essas manifestações já não teriam itinerário, não teriam um ponto específico e seriam em qualquer lugar onde cada um se encontrasse, percebi, antes das manifestações começarem, que nós estávamos a caminhar para um caos e que o Governo, tal como as autoridades policiais, não teriam capacidade nenhuma para debelar essas manifestações, até de uma forma ponderada e sem usar excesso da força. E mesmo usando excesso de força, não teriam mais capacidade de fazer isso. 

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O Governo tinha de ter percebido que, ao permitir essas manifestações acontecer, a manter uma posição de intransigência, atendo-se à lei, à ideia de que esperamos o Conselho Constitucional, nós iríamos para um ponto que seria muito difícil recuar, seria muito difícil encontrar uma solução fácil.

E neste momento, o meu receio, inclusive, é que por mais que as partes venham a sentar-se e dialogar, há um conjunto de mensagens que foram transmitidas aqui. A primeira mensagem é que os manifestantes já perceberam que o Estado não tem capacidade para controlar as suas ações. Alguns manifestantes são, inclusive, oportunistas – esses que se metem em vandalismo. E nós poderemos continuar, depois disso terminar, com vários focos de criminalidade, de vandalismo, dessas portagens móveis que são montadas por esses manifestantes. Na minha opinião, poderíamos ter optado por uma ação preventiva para evitar que isso acontecesse e chegarmos até onde chegamos. Mas termino a insistir que a responsabilidade, no meu entender, é de quem governa, que tem a obrigação de garantir o bem-estar social, de garantir a justiça.

DW África: Seria de esperar alguma atitude da comunidade internacional, neste momento, para, de alguma forma, pôr termo a esta violência?

HC: A comunidade internacional tem muito pouco a fazer e explico porquê. Os Estados são soberanos, como se sabe, e a comunidade internacional, o melhor que pode fazer nisso tudo é fazer pressão, como nós já vimos agora em alguns discursos, a nível do Parlamento Europeu, da União Europeia. Nesse sentido, já vimos a nível da SADC, que quer reconhecer o Presidente do Botswana e não o fazer em relação a Moçambique. A solução, para mim, está aqui em Moçambique, tem de ser encontrada pelos atores internos e não virá de fora.

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DW África: Parece que, neste momento, está toda a gente à espera de uma decisão do Conselho Constitucional que poderá só surgir mais lá para o fim deste mês, não é assim?

HC: Fala-se, mais ou menos, um pouquinho antes do Natal, acho que dia 23, que é a data prevista para o provável pronunciamento do Conselho Constitucional. E parece-me que a subida de tom por parte do Venâncio é mesmo para forçar que o Governo aceite dialogar com ele antes do Conselho Constitucional se pronunciar. Ele, neste momento, está numa situação em que joga para duas coisas: os resultados estarem a favor dele ou o Governo aceitar negociar com ele para, pelo menos, depois desta luta toda, ele ganhar alguma coisa que pode ser a criação de um cargo de vice-presidente, a ideia de criação de um governo de unidade nacional e também ser amnistiado para poder voltar ao país.