Crise política revela interesse internacional na Guiné-Bissau
19 de setembro de 2012 Na segunda-feira (17.09), o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse estar "preocupado" com a estagnação da crise política na Guiné-Bissau, resultado do golpe militar de Estado de abril deste ano.
O congelamento da situação de crise estaria, segundo Ban, sendo acirrado pelas divergências em relação ao governo saído do golpe. Mais especificamente, o impasse seria, entre outros, resultado das posições controversas da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), favorável ao governo de transição, e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que se recusa a trabalhar com os interinos.
Para o analista Paulo Gorjão, do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), as declarações de Ban Ki-moon "são um reconhecimento, pela ONU, da realidade no terreno. Há largos meses, desde o início do processo de transição, que se sabe que a CEDEAO e a CPLP se tinham de entender para colocar um ponto final na situação da Guiné-Bissau".
Disputas por influência
O investigador português Bernardo Pires de Lima, que trabalha para o IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais) e também na universidade norte-americana Johns Hopkins, opinou em entrevista à DW África que a postura da CPLP de não colaborar com o governo de transição foi acertada. "A CPLP agiu da melhor maneira possível nesta situação de golpe de Estado – mais um na Guiné-Bissau", disse Pires de Lima, referindo-se à constante instabilidade política no país ocidental africano que também é conhecido como placa giratória do tráfico de drogas entre a América do Sul e a Europa.
Porém, a comunidade lusófona não tem força suficiente para se projetar, nem para exercer muita influência no futuro político da Guiné-Bissau: "O fato de não ter havido uma restituição da normalidade constitucional na Guiné-Bissau depois do golpe de Estado [de 12.04] mostra que a CPLP não tem força para impor a sua resolução [de não colaborar com os interinos]", disse Pires de Lima. "Portanto, quando é reconhecido o presidente interino e o governo de transição – caminho proposto pela CEDEAO – é a CEDEAO que emerge na gestão da crise guineense, e não a CPLP", constatou o investigador.
Bernardo Pires de Lima disse ainda que existe espaço para esse fortalecimento da CEDEAO "porque as organizações que deviam, no fundo, pôr em prática a antiga ordem constitucional – legitimada pelo voto democrático – não têm força nem músculos para impor uma resolução da ONU. A CPLP também não tem força porque não tem, por exemplo, uma presença no terreno de acordo com as resoluções que aprova. E é neste vazio que a CEDEAO age", afirmou.
Como exemplo, Bernardo Pires de Lima citou a viagem recente, em finais de julho e início de agosto, do Chefe do Estado General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, António Indjai, à Costa do Marfim e ao Mali. Indjai, que faz parte do atual governo bissau-guineense, "circula livremente no espaço da CEDEAO, à revelia da resolução da ONU [de não trabalhar com o governo de transição], e sem nenhum tipo de penalização", recordou o pesquisador.
Conflito de interesses?
Para Bernardo Pires de Lima, a Guiné-Bissau tem um interesse geoestratégico "brutal" para a região ocidental africana, "por ser um país voltado para o Atlântico, pelo tráfego marítimo, e por ter uma instabilidade que traz benefícios a outros Estados". O investigador afirmou ainda que, como o poder na Guiné-Bissau é frágil, o país acaba por ser moldado internamente pela força dos países vizinhos.
Ao falar da situação que antecedeu o golpe de Estado militar, Pires de Lima opinou que, por causa dessa questão da influência na Guiné-Bissau, países como o Mali e a Costa do Marfim não tinham interesse na interlocução entre Bissau e Angola, cuja missão de cooperação militar se retirou da Guiné-Bissau depois do golpe. A presença de tropas angolanas na Guiné-Bissau foi considerada um dos catalisadores para a tomada de poder pelos militares.
"Enquanto não se resolverem os problemas de fundo da Guiné-Bissau, as organizações e os Estados com interesses no caos da Guiné-Bissau vão gerindo as divergências internas no país. Há Estados a quem interessa ter uma estabilidade interna, mas com um poder político na Guiné-Bissau que seja favorável aos seus interesses", avaliou Pires de Lima.
Estas divergências internas "são sobretudo sobre a forma de monopolizar o poder através da neutralização de quem está no poder – ou, no caso das Forças Armadas, sobretudo, de quem controla as rotas do narcotráfico".
Forças Armadas
Internamente, também as Forças Armadas não tinham interesse na relação entre a Guiné-Bissau e Angola, disse Bernardo Pires de Lima. "E, portanto, quis-se fazer uma ruptura a partir daí, criticando e depondo o presidente da República, no fundo para tirar Angola do terreno e da ação política interna", disse.
Para o estudioso português Paulo Gorjão, "António Indjai continua a ser o homem forte" da Guiné-Bissau e uma solução para o atual impasse no país não poderá ser atingida sem ajuda externa porque "os militares, que ainda estão com o poder nas mãos, imporão a solução que eles querem pela via das armas e da força, o que têm feito sucessivamente com golpes de Estado e ameaças de golpes de Estado".
Novas lideranças
Gorjão acredita, porém, que uma solução para a situação provisória de poder na Guiné-Bissau esteja sendo desenhada agora, com as recentes viagens do representante do secretário geral da ONU na Guiné-Bissau, Joseph Mutaboba, a vários países.
Também para as divergências entre a CEDEAO e a CPLP, uma solução possível poderia ser um "novo governo interino possivelmente liderado pelo PAIGC [partido que estava no poder quando ocorreu o golpe de Estado]". Outra solução seria manter o governo interino atual, mesmo sem o apoio da CPLP, mas "começar a preparar o caminho para o processo de normalização democrática".
Na segunda-feira (17.09), o secretário executivo cessante da CPLP, Domingos Simões Pereira, admitiu candidatar-se à liderança do PAIGC, mas sem definir datas para a candidatura. "A ambição política de Domingos Simões Pereira era conhecida enquanto ele era secretário executivo da CPLP (entre 2008 e 2012). Julgo que ele já está com uma pequena equipe a preparar o seu regresso, a candidatura ao PAIGC e o regresso posterior à Guiné-Bissau", disse Paulo Gorjão.
"Tenho quase certeza de que ele não teria dado este passo sem um entendimento mínimo com Carlos Gomes Júnior, o primeiro-ministro deposto e candidato presidencial [do PAIGC nas eleições de março]", acrescentou Gorjão, avaliando que os dois políticos poderiam apoiar-se mutuamente em futuros escrutínios.
Para o analista, a candidatura de Domingos Simões Pereira também "seria bem vista pela CPLP" porque o órgão quer ter mais influência lusófona na Guiné-Bissau.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha