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Cristãos sírios ameaçados

Mona Naggar/Klaus Dahmann17 de janeiro de 2014

Na Síria, os cristãos puderam levar uma vida pacífica por um longo tempo, mas agora sofrem grande pressão. Na guerra civil, as comunidades aramaicas e arménias tornaram-se alvo de grupos radicais islamistas.

Vista da vila de Maalula, ao norte de Damasco na SíriaFoto: picture-alliance/akg-images/Hedda Eid

A vila de Maalula se propaga no vale rochoso a norte de Damasco e é um centro pacífico do cristianismo sírio que todos os anos atrai milhares de peregrinos para participar da Festa da Cruz Gloriosa, em setembro, durante a qual grandes procissões iluminadas a fogo são organizadas.

Mas assim como o exército sírio, a proteção da Virgem da Misericórdia, cuja imagem se vê no topo de uma das rochas, pouco pôde ajudar quando combatentes islamistas invadiram a vila no meio da noite e desalojaram os seus habitantes.

Desde então, os rebeldes e as forças do Governo lá protagonizam uma luta feroz. O pesquisador Werner Arnold descreve um cenário de destruição. "Quando esses conflitos terminarem, então, provavelmente, não restará nada deste lugar," prevê.

Há quase 30 anos, o estudioso de líguas semíticas de Heidelberg, na Alemanha, pesquisa sobre Maalula e o aramaico ocidental - a língua que Jesus falou - e que sobreviveu apenas na pequena vila. Agora, cerca de 3.000 moradores fugiram. Muitos encontraram refúgio com parentes ou em mosteiros na capital, Damasco. Werner Arnold diz que os refugiados "já não podem mais voltar."

Violenta peseguição aos cristãos

Há quase 30 anos, o alemão Werner Arnold pesquisa sobre Maalula e o aramaico ocidentalFoto: privat

No passado, a situação dos cristãos na Síria era considerada boa quando comparada aos outros países do Médio Oriente. O regime de Damasco permitiu-lhes construir igrejas e eles têm também a sua própria instituição para a promoção da língua aramaica.

Com a eclosão da rebelião contra Baschar al-Assad, no entanto, grupos armados que querem estabelecer um Estado islâmico e combater outras comunidades religiosas entraram em cena na Síria, lamenta Daniyel Demir da Federação dos Arameus na Alemanha.

Segundo Demir, "o sequestro de clérigos, execuções e decaptações estão realmentena ordem do dia."

No final de abril de 2013, dois importantes bispos foram sequestrados - seu destino é até hoje incerto. No início de Dezembro passado, várias freiras que permaneceram no Convento de Santa Tecla também foram raptadas.

Grupos islamistas clamam publicamente pelo assassinato de membros de minorias religiosas, diz Demir que considera que "se pode realmente falar em limpeza étnica, pois aqui é simplesmente negado o direito de existir aos cristãos e outras minorias."

A perseguição a cristãos no mundo

Todos os anos, a vila de Maalula atrai milhares de peregrinos que participam da Festa da Cruz Gloriosa, em setembroFoto: picture-alliance/dpa

As notícias alarmantes da Síria também se refletem na Classificação de Países por Perseguição, da organização cristã interdenominacional Missão Portas Abertas - que se dedica a apoiar cristãos perseguidos.

Nos últimos doze meses, o país avançou da 36ª para a 11ª posição do ranking – o que quer dizer que a perseguição se intesificou. Considerando os casos de violência física contra os cristãos, a Síria ocupa até mesmo o segundo lugar.

No geral, a Missão Portas Abertas vê os levantes no mundo árabe com grande preocupação. "Para muitos cristãos, a Primavera Árabe definitivamente se transformou em um Inverno Árabe," adverte a organização em seu estudo recente. Aqui, grupos islamistas estariam em ascensão por todos os lados.

Além da Síria, a situação dos cristãos piorou de forma dramática especialmente na Líbia e na Tunísia. Repressões massivas ocorrem também nos locais onde a perseguição a cristãos é qualificada como "extrema". Entre eles, a Arábia Saudita, bem como os ardentes focos de crise Afeganistão, Iraque e Somália.

Para os cristãos nos países árabes e especialmente na Síria, o pesquisador Werner Arnold vê pouca esperança. Com a ajuda dos países ocidentais, diz ele, há muito tempo já não podem contar, o que considera "realmente muito lamentável para o Ocidente, que se auto-denomina cristão."

Para os Cristãos sírios, o especialista acredita haver apenas a esperança de que ocorra "o colapso de toda esta rebelião em algum momento."

No momento, no entanto, Arnold não está certo de que isso vá acontecer. "Se a tendência de que a Síria se tone um Estado islâmico continuar, então, possivelmente todos os cristãos irão deixar a Síria, não apenas os cristãos aramaicos de Maalula," avalia.

Comunidade cristã arménia em fuga da Síria

Em Dezembro de 2013, várias freiras que permaneceram no Convento de Santa Tecla (foto) foram raptadasFoto: DW/Markert

Não apenas os cristãos aramaicos sofrem com a guerra civil, mas também os armênios. Na Síria, vive uma das maiores comunidades armênias da Diáspora no Médio Oriente. A guerra civil força cada vez mais arménios sírios a deixarem sua terra natal. Muitos optam por viver no Líbano.

Entre eles está Ani Shamamian, que teve o nome alterado nesta reportagem para preservar a sua segurança. Seu filho de um ano e meio assiste na TV a um programa para crianças armênias.

Um ano atrás, Ani teve que sair com o marido e os dois filhos de Aleppo, ao norte da Síria. Lá, a mulher de 29 anos nasceu e cresceu. A guerra forçou-os a virar as costas à sua terra natal.

Em Aleppo, vivem cerca de 45 mil armênios, que são tradicionalmente cristãos. Agora, Ani vive em Bourj Hammoud, uma comunidade ao norte da capital libanesa, Beirute. O apartamento de um cômodo é muito pequeno para a família, mas ela não pode pagar algo maior.

"Aqui, a vida é muito difícil. Tudo é caro. Pagamos as despesas com dificuldade," revela.

AniShamamian encontra apoio na Associação Howard Karagheusian, um centro social e médico em Bourj Hammoud. O centro trabalha com a Agência de Refugiados das Nações Unidas (ACNUR) e é um importante ponto de contato principalmente para refugiados armênios.

Na Síria, os cristãos puderam levar uma vida relativamente pacífica por um longo tempo, mas agora sofrem grande pressão - como ocorre na vila de MaalulaFoto: picture-alliance/dpa

Lá, ela é aconselhada, seus filhos podem receber atendimento médico ou doações de roupas. Não se sabe quantos arménios deixaram a Síria nos últimos meses. Cerca de 1.300 famílias armênias da Síria estão registradas na associação Karagheusian diz Serop Ohanian, diretor do centro.

Segundo Ohanian, a maioria dos refugiados armênios da Síria pensou que depois de alguns dias voltaria para casa. Por isso, conta, “muitos vieram apenas com uma pequena bolsa, não tinham dinheiro e roupas suficientes consigo”.

Ao passo que a situação tornou-se cada vez pior, "retornar estava fora de questão. Eles tinham que encontrar um apartamento e trabalho," diz.

O lado cristão de Beirute

Em Maalula, registrou-se o sequestro de clérigos, execuções e decaptações em 2013 (na foto, o Convento São Jorge)Foto: DW/Markert

Em Bourj Hammoud, onde vive Ani, as ruas se chamam Arménia e Yerevan ou levam os nomes de santos cristãos. Em algumas varandas, estão penduradas as bandeiras libanesa e armênia. Em algumas lojas, o nome também está escrito em armênio. O bairro transmite uma impressão modesta.

No térreo das construções simples de dois ou três andares, surgiram pequenas empresas artesanais - salas de costura, oficinas de automóveis e lojas de artigos de couro. A maioria dos moradores de Bourj Hammoud são armênios.

Como na Síria, eles são descendentes da minoria arménia, cujos membros foram assassinados ou desalojados para países vizinhos pelos turcos nacionalistas em 1915, no Império Otomano.

Na Síria e no Líbano, os cristãos arménios são parte integrante da sociedade. Em Aleppo, Damasco ou Beirute mantém suas próprias escolas, associações culturais e igrejas. No Líbano, vivem cerca de 240 mil arménios, na Síria cerca de 100 mil.

Há mais de um ano, a arménia Maral Kesheshian Shohmelian teve que deixar a Síria. Para ela, os arménios são mais conservadores lá do que no Líbano.

"Preservamosmais intensamente nossas tradições. O Líbano é mais aberto, mais livre, talvez como uma mini-Paris. Nós, na Síria, somos bastante antiquados," avalia.

Comunidade arménia ameaçada

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Quanto mais o conflito na Síria se arrasta, mais cresce o medo entre os arménios de que sua comunidade esteja em sério perigo nos territórios em disputa, particularmente em Aleppo.

A maioria permanece firme nos bairros que estão sob o controle do exército sírio regular. Shohmelian mantém contacto frequente com os parentes em Aleppo.

A médica de 36 anos trabalha para a Associação Karagheusian e para a Cáritas. Ela está dividida entre o desejo de voltar e a urgência de ir para um país Ocidental e lá fazer sua especialização académica.

Como a maioria dos jovens, Shohmelian que obter um visto, ir para o exterior e trabalhar.

"Meu objetivo é estudar, criar uma família, trabalhar e talvez poder retornar algum dia. Eu e meu marido pensamos em ir para a América ou o Canadá. Estamos preparando os papéis," conta.

Emigrar para a Arménia não é uma opção para Maral. A médica estudou lá e sabe quão difíceis são as condições de vida na antiga República Soviética. Sobretudo, os salários seriam muito baixos e seriam suficientes talvez apenas para viver.

Maral e muitos outros estão diante de uma decisão difícil. Avedis Guidanian, diretor da estação de rádio local "Voice of Van" em Bourj Hammoud, teme que a emigração para o Ocidente possa ameaçar a existência das comunidades arménias no Médio Oriente.

Ele considera como "muito importante", a existência dos arménios nesses países, perto da Turquia e da pátria Arménia. "Não apoio que os arménios deixem esta região. Se os refugiados arménios emigrarem para a Europa, nunca mais voltarão para a Síria," diz.

Avedis Guidanian acredita que a partir do Líbano, "o retorno para a Síria é mais provável".

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