A Cruz Vermelha de Moçambique desmente que tenha sido retirado qualquer apoio a deslocados fora dos centros de reassentamento em Cabo Delgado. E deixa um apelo: deixem os delegados da organização fazer o seu trabalho.
Publicidade
Em entrevista à DW África, o delegado da Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) na província de Cabo Delgado, André Nhantabe, desmente a informação publicada esta quarta-feira (09.06) na imprensa moçambicana. A notícia avançava que a CVM teria suspendido a ajuda a deslocados a viver em casa de familiares, para evitar alegados "esquemas" de beneficiação ilícita. "É mau jornalismo", critica Nhantabe.
DW África: Confirma a notícia de que a Cruz Vermelha de Moçambique suspendeu a ajuda humanitária a deslocados que vivem fora dos centros de reassentamento?
André Nhantabe (AN): Não, não há suspensão nenhuma. Vou ter de ligar para o jornalista para ele contradizer isso.
DW África: Sabemos que a Cruz Vermelha está a questionar as listas de beneficiários em bairros de Pemba e que lançou um apelo aos chefes de bairro para que deixem de fazer as listas de beneficiários, porque esse é um trabalho da Cruz Vermelha…
AN: Isso sim. Lançamos um apelo, a dizer que isso não se pode observar. Mas dizer que paramos [com a ajuda], não. Não vamos parar, em nenhum momento vamos fazer isso.
DW África: Porque isso seria agravar ainda mais a crise humanitária na província de Cabo Delgado.
AN: Sim, sim… Não foi isso que nós falamos. O apelo que nós deixamos é que devem deixar os delegados da Cruz Vermelha fazer o levantamento. Não é porque há problemas. Não há problema nenhum aqui. Aliás, mostramos a coordenação que temos com o governo e pedimos que continuem assim, que deixem os voluntários continuar a trabalhar e a fazer os levantamentos.
DW África: Então, como tem sido o vosso trabalho nos bairros de Pemba?
AN: Estamos na prevenção da Covid-19. Os nossos voluntários estão lá, quando recebemos apoios, assistimos as pessoas. E é isso que apelamos, que continue a ser assim. Devemos continuar assim. Não sei se o jornalista [autor da notícia] tem informação de que isso está a acontecer, se tem alguma fonte e quer usar a Cruz Vermelha. Não, não é a Cruz Vermelha que diz.
Cabo Delgado: Pemba espera por mais deslocados de Palma
02:18
DW África: O que a Cruz Vermelha quer é que deixem os delegados fazer o seu trabalho - não querem, por exemplo, uma lista de potenciais beneficiários porque esse trabalho vai ser feito por vocês?
AN: Sim, é isso que se deve fazer. Mas é o que está a acontecer. Vamos com os nossos voluntários e identificamos os beneficiários para dar mais apoios. E é exatamente isso que queremos, que haja continuidade de se observar essa liberdade dos voluntários estarem no terreno a fazer o seu trabalho.
DW África: Portanto, esta ajuda aos deslocados que vivem em casa de familiares e amigos vai continuar da parte da Cruz Vermelha?
AN: Vai continuar. Não podemos parar e nós não paramos. Ele [o jornalista] procurou saber e perguntou: e se descobrirem que há esses infiltrados? Eu disse que se descobrirmos, não podemos sancionar ninguém porque essa não é a nossa missão. O que nós podemos fazer é parar essa distribuição e continuarmos noutro bairro, caso existam problemas. Não significa que parámos a distribuição, não é isso.
DW África: Por acaso, houve algum problema ultimamente que tenha levado a essa notícia?
AN: Não, não há nenhum problema.
DW África: É verdade que por vezes há esquemas para beneficiação ilícita de ajuda humanitária? Já se depararam com casos desses?
AN: Nós, como Cruz Vermelha, ainda não nos deparamos. O que estou a perceber é que o jornalista talvez tenha alguma fonte, de uma informação que ele tem, porque entrevistou várias pessoas. Porque ele insistiu bastante para que eu dissesse que há isso. Eu disse que não, para nós isso nunca aconteceu. As nossas listas nós é que vamos buscar. É mau jornalismo.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.