Ivone Soares, deputada do Parlamento Pan-Africano e chefe da bancada da RENAMO no Parlamento moçambicano, participou na Conferência da ONU sobre o Clima (COP23), em Bona, na Alemanha.
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O Parlamento Pan-africano participa na Conferência do Clima da ONU (COP23), em Bona, na Alemanha. Na COP23, o grupo organiza eventos onde discute o papel dos seus deputados no combate às mudanças climáticas.
Ivone Soares, chefe da bancada parlamentar da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) é primeira vice-presidente para a juventude do Parlamento Pan-africano e lamenta que os acordos ratificados no que concerne ao combate às mudanças climáticas não sejam implementados em muitos países de África.
Em entrevista exclusiva à DW África, a deputada moçambicana revela que ao Parlamento Pan-Africano lhe resta o poder de persuadir os Governos a serem mais pro-ativos.
DW África: Que prioridades ficaram definidas na conferência para os países africanos?
Ivone Soares (IS): Debrucei-me sobre a necessidade de haver maior mitigação para que as pessoas compreendam que África pode contribuir para redução da emissão de carbono. Durante o evento, falei da necessidade de não nos colocarmos como vítimas neste processo das mudanças climáticas, pois havia uma corrente de parlamentares que defendia que nós, como africanos, temos que ser indemnizados por todas as situações criadas pelos ocidentais na exploração dos nossos recursos e que acabaram por agravar as mudanças climáticas nos nossos países.
Até pode chegar um chinês, por exemplo, a qualquer um dos países africanos e fazer o abate de árvores para obter madeira, mas para este chinês entrar nos nossos países alguém abriu portas. Portanto, ao colocarmo-nos como vítimas, estamos a tentar fugir da nossa responsabilidade de assumirmos que temos contribuído para que a exploração dos nossos recursos aconteça de forma selvagem.
DW África: Quais seriam as exigências para assumir este papel já que a responsabilidade também é interna e não apenas dos estrangeiros?
IS: Acredito que temos que exigir que haja implementação dos vários acordos que são rubricados. Temos que assumir que como dirigentes africanos, como povo africano, em algum momento colocámos os nossos recursos à disposição de quem quisesse vir explorá-los. Também achei importante colocar durante a COP23 uma questão que tem a ver com a necessidade do parlamento Pan-africano ter um papel mais ativo na consciencialização dos estados-membros na medida em que cada estado-membro deve ter um plano de ação concreto para mitigar os males que as mudanças climáticas podem trazer.
DW África: Mas ao nível do parlamento africano, quais são as iniciativas em vigor para amenizar estes efeitos?
IS: O que nós temos feito é persuadir os estados membros para que sejam signatários dos vários protocolos que estamos a ratificar. Quando nós temos, por exemplo, o Acordo de Paris, que muitos países até hoje não adotaram, isso demostra que essas nações não estão realmente comprometidas com estas sugestões que nós, como parlamentares, estamos a dar.
DW África: Como tem sido a reação destes estados-membros aos vossos apelos?
IS: Alguns estados-membros colaboram, ratificam as convenções, mostram-se ativos, já criaram planos de ação ou estão a implementar. Mas há estados-membros da União Africana que não cumprem, principalmente porque ainda não temos um órgão legislativo com poderes para impor leis.
Portanto, o grande desafio que nós temos é garantir que os estados-membros ratificam este poder que o Parlamento Pan-Africano, para bem dizer, precisa de ter que é o poder legislativo. Nós não temos ainda o poder de determinar o que os estados devem fazer.
DW África: Como deputada no Parlamento moçambicano para a bancada do maior partido da oposição, a RENAMO, como vê a abordagem do tema das alterações climáticas no hemiciclo? Ou este assunto não é discutido?
IS: Discutido o tema é, na medida em que, por exemplo, na Comissão da Agricultura esta questão não passa despercebida. O que resta fazer ao Governo é adotar medidas para que as mudanças climáticas sejam tidas em consideração. No entanto, também é preciso garantir que todos os 250 deputados compreendem o que estamos a falar quando falamos de mudanças climáticas. O trabalho deve começar em casa, na Assembleia da República. Depois de garantirmos que eles compreendem, temos que garantir que eles são potenciados ou capacitados, municiados de informação relevante numa linguagem terra-a-terra.
DW África: Acha que há sensibilidade suficiente em Moçambique para lidar com estes temas?
IS: Penso que sim, penso que as pessoas compreendem. Se calhar nem todas compreendem, mas aqueles que estão em lugares decisivos têm a obrigação de entender. Agora, alguns podem compreender, mas não acrescentar nada que possa ajudar o país a precaver-se.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.