"Cultura da intimidação" cresce em Angola - bispos católicos
Lusa
9 de fevereiro de 2023
Os bispos católicos angolanos dizem que cresce no país a "cultura da intimidação", e consideram que as últimas eleições ajudaram a perceber a "necessidade urgente" de se investir em instituições republicanas.
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Segundo os bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), as quintas eleições gerais angolanas, realizadas em 24 de agosto de 2022, foram um acontecimento importante, que "apesar das várias perplexidades" permitiram manter a continuidade governativa.
"Mas, ao mesmo tempo, ajudaram a perceber a necessidade urgente de se investir nas instituições republicanas que estejam acima dos interesses partidários e na reforma profunda do Estado", referem, num comunicado a propósito da abertura da I Assembleia Plenária da CEAST, que se iniciou esta quinta-feira (09.02), em Luanda.
Para os bispos católicos, a consciência cívica e política dos cidadãos "felizmente cresce dia após dia clamando não por uma Angola de militantes, de patriotas comprometidos e consequentes, não por uma Angola de intriguistas, intolerantes e elitistas, mas por uma Angola de todos e para todos".
Uma Angola "inclusiva"
Os bispos pedem ainda uma Angola "inclusiva, acolhedora e cultora do mérito, da competência, do diálogo consensual e da alegria para todos os seus filhos e filhas e incentivadora da convivência plural, cordata e fraterna".
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"Não obstante as dificuldades próprias, inerentes ao mundo político governativo, continuamos a alimentar a esperança de dias melhores para o nosso país", afirmam.
Na mensagem assinada pelo presidente da CEAST, José Manuel Imbamba, e apresentada à imprensa pelo vice-presidente da conferência episcopal, Estanislau Marques Chindecasse, os prelados saúdam também os esforços do executivo na luta contra a pobreza.
Enaltecem a aposta na reconstrução e recuperação de estradas, principalmente primárias, a construção de escolas, hospitais e de mais empreendimentos estruturantes, mas alertam para a "tensão", que dizem existir, entre as obras de âmbito central e provincial.
"Estas provocam inércia e lentidão em situações que exigem respostas rápidas", sinalizam os bispos da CEAST, lamentando, no entanto, a "preocupante" situação de pobreza em que se encontram muitas famílias angolanas.
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"Apesar da vontade expressa, o quadro social do país continua a inspirar muitos cuidados, o nível de pobreza das nossas famílias continua preocupante", afirmam.
Pobreza "asfixiante"
Aludindo a um relatório da organização não-governamental Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), os bispos referem que os angolanos que vivem em zonas mais recônditas do país sentem a pobreza "numa proporção asfixiante".
"Daí a vulnerabilidade a que estão expostos diante de muitos charlatões e burladores", realçam.
Criticam também o "elevado índice" de desemprego, sobretudo no seio dos jovens, considerando que a situação está a provocar a fuga de muitos deles para outras paragens do mundo.
A "delinquência e a violência estão aumentando por conta também do uso substâncias psicoativas que pouco a pouco vão ganhando mercado, novos corruptos e corruptores estão a nascer adiando sempre o desenvolvimento do país e a satisfação dos cidadãos", apontam.
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"Cultura da intimidação"
Alertam ainda que "está a crescer a cultura da intimidação, geradora do medo e da insubordinação", deploram o elevado número de crianças fora do sistema de ensino e afirmam mesmo que o sistema de saúde do país "se mantém doente".
"Enfim, a estrutura social continua desestruturada potenciando situações de violência, vício generalizado e injustiças endémicas", acrescentam.
No entender dos bispos da CEAST, a solução para os referidos problemas passa pelo "envolvimento de todas as forças ativas da sociedade, incluindo a igreja", e urge a "reforma autêntica do Estado", a renovação interior de todos os cidadãos, bem como a concretização do "sonho das autarquias".
A autossustentabilidade da Igreja em Angola, Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 e o Acordo Quadro entre a Santa Sé e o Estado angolano, assinado em 2019, são alguns dos temas em reflexão nesta plenária da CEAST, que se estende até à próxima quinta-feira.
Os trabalhos, que congregam bispos oriundos de todas as províncias angolanas e de São Tomé, decorrem na sede da conferência episcopal, na capital angolana.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.