Economista analisa o endividamento de Angola, que já sacrifica a população e chegará a mais de 30 mil milhões de euros até 2022. Solução estaria numa postura menos "partidária" do Presidente da República.
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O Estado angolano terá de desembolsar até 30 mil milhões de euros entre 2019 e 2022 para assegurar o pagamento da dívida interna e externa do país, segundo dados do Plano Anual de Endividamento para 2018, do Ministério das Finanças.
Entre as medidas anunciadas pelo Governo para amortizar a dívida está a utilização dos valores excedentes da venda de petróleo. Mas, em entrevista à DW África, o economista angolano Precioso Domingos afirma que esta estratégia não é eficaz e que o "modelo do petróleo está esgotado".
Em declarações à agência de notícias Lusa, o ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, disse que a dívida pública do país ameaça "hipotecar as gerações futuras". Mas o economista discorda, sublinhando que a população já vive sacrificada. Para Domingos, parte da solução para a sustentabilidade da dívida está relacionada com a postura do Presidente da República, João Lourenço, que, na opinião do economista, deve adotar uma posição menos "partidária" ao encarar o endividamento do país.
DW África: Como é que esta dívida interna e externa de 30 mil milhões de euros vai prejudicar o cidadão angolano comum?
Precioso Domingos (PD): [A vida] vai ficar mais cara, porque a forma como o Governo mantém a inflação, num país que não tem produção, é através da relação entre o kwanza e a moeda estrangeira. Quanto menos dólares ou euros o Banco Nacional de Angola tem para disponibilizar no mercado, mais fraco o kwanza fica. Portanto, uma maior desvalorização do kwanza significa um aumento do preço das importações. Automaticamente, isto reflete-se num aumento do nível geral de preços, o que não ocorreria se a dívida externa fosse pouca ou até mesmo inexistente nesse contexto. Assim, mesmo que o país dependesse das importações, se não houvesse o problema da dívida, conseguiria a seu tempo realizar a produção interna sem sacrificar a população.
DW África: O peso da dívida angolana é uma ameaça para as gerações futuras, como o ministro das Finanças referiu, ou os cidadãos já sofrem com este endividamento?
PD: Isto já não é um caso do futuro. Pelo menos 52% do Orçamento geral do Estado (OGE) é destinado ao pagamento de dívida. Isso quer dizer que o Governo só tem capacidade de manobra para realizar a despesa "que lhe interessa", que tem impacto sobre a população, de 47%. Consequência: o OGE foi, de uma certa forma, ao Parlamento, saiu de lá com uma ligeira alteração, sob a justificação de que houve um acréscimo em relação às rubricas da educação e da saúde, mas isto está a ser feito à custa de endividamento. Portanto, isto aqui é muito preocupante, porque quando até a educação e a saúde já são financiadas através de mais endividamento, é porque isto não tem futuro.
DW África: Angola pretende utilizar recursos excedentes da venda de petróleo para tentar amortizar a dívida. Acha que apostar tudo no petróleo é um risco?
PD: Angola já não tem margem para usar o petróleo como uma garantia de empréstimos. O sistema de linha de créditos que é usado pela China está esgotado. O aumento do preço do petróleo não nos diz tanto como dizia no tempo em que o preço do petróleo era 100 [dólares]. Não obstante o facto de se estar a registar um preço do petróleo ligeiramente acima daquilo que está no OGE, isso não significa muito para o país. Está esgotado o modelo do petróleo.
Dívida angolana: "Presidente deve deixar de pensar no MPLA"
DW África: Para além do petróleo, que outras medidas é que o Governo deve adotar para a sustentabilidade da dívida pública?
PD: Temos aí uma série de dívidas que foram contratadas por empresas privadas, que não se sabe de quem são, a quem pertencem, de que o Governo assumiu a garantia, e essas empresas agora passaram a dívida para o Estado. Mas a questão é: de quem são essas empresas? Porque é que o Estado vai assumir a empresa do "A" e não a do "B"? Portanto, isto é uma técnica. Se assumir a dívida tal como ela é, na verdade o novo Presidente vai entrar em conflito com o povo para beneficiar uma elite. Isto também tem consequências a nível partidário. Então, o novo Presidente, para também ter sucesso nisso [na sustentabilidade da dívida], também teria que deixar de pensar a nível partidário, contentar-se com a Constituição, que já é muito forte, e eliminar a intenção de ser o presidente do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder], porque essa intenção faz com que tenha de comprar uma série de figuras no partido para que não tenha de entrar em choque. E resolver o problema da dívida com uma auditoria implica também ter choques políticos.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".