O Centro de Integridade Pública considera a dívida de Moçambique à China pouco transparente e pede que o Governo explique como vai gerir o encargo, em tempos de Covid-19. China diz que não discute publicamente acordos.
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A organização da sociedade civil moçambicana faz a avaliação do impacto da dívida chinesa nas contas públicas de Moçambique numa análise intitulada "Dívidas contraídas com a China afetam disponibilidade de recursos no orçamento para enfrentar a Covid-19".
Nas conclusões do estudo, o CIP assinala que o país devia à China cerca de dois mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) até ao final de 2019, classificando a cifra como "assustadora" e "similar às dívidas ocultas" - os empréstimos secretamente avalizados pelo anterior Governo moçambicano, entre 2013 e 2014, e que provocaram uma crise financeira e económica.
A organização acredita que a dívida "é capaz de provocar grandes desvios de fundos necessários para setores sociais, especialmente no contexto atual da pandemia de covid-19".
"O Governo deve esclarecer aos moçambicanos como vai pagar essa dívida e apresentar detalhadamente os projetos que constituem à dívida", diz a análise. Essa explicação, prossegue o CIP, é pertinente, tendo em conta que os sete anos de graça das dívidas de Moçambique à China estão a vencer.
É urgente "mostrar transparência"
"Mostrar transparência referente a esses empréstimos é urgente, neste momento em que os moçambicanos têm de fazer face ao novo coronavírus, o que implica para o Governo usar os poucos recursos disponíveis de forma a proteger no máximo a saúde e o bem-estar dos moçambicanos", lê-se no texto.
O CIP critica o facto de os relatórios da dívida pública do Estado moçambicano não incluírem informações sobre juros e amortizações na dívida com a China, "o que representa uma fraqueza para um documento que na sua generalidade tem um conteúdo rico".
A organização assinala que o Estado moçambicano vem contraindo empréstimos à China antes de 2010, mas o endividamento entrou num ritmo acelerado em 2016, principalmente com o China Export-Import Bank (CEIB).
"Uma das razões pelas quais as dívidas com a China continuaram a crescer depois de 2016, ano em que despoletaram as dívidas ocultas, foi porque os membros do Clube de Paris praticamente se recusaram a dar novos créditos a Moçambique", lê-se no documento.
Mas as dívidas com a China, prossegue o texto, foram usadas para financiar projetos de investimento em infraestruturas de grande envergadura, maioritariamente de caráter comercial ou administrativo.
Critérios chineses "menos rigorosos"
"Um elemento que certamente influenciou esse crescimento da dívida com a China é que esse país aplica critérios menos rigorosos para a concessão de novos empréstimos", refere-se no estudo.
O "alto nível de dívida" de Moçambique expõe o país ao risco de cair na dependência financeira da China, que pode resultar numa "pressão enorme sobre o Governo moçambicano" - "uma possível armadilha da dívida".
De acordo com o CIP, os empréstimos chineses expõem Moçambique a riscos cambiais, dado que a dívida está denominada em dólares, o que a torna vulnerável a variações cambiais.
Maputo-Katembe já está em funcionamento
01:07
Num comentário à Lusa, Agostinho Mondlane, economista do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), considerou que os contratos de dívida com a China têm sido caracterizados pela "opacidade e sem informação pública sobre os termos e condições em que as dívidas devem ser amortizadas".
"Na falta de informação sobre os termos e condições dessas dívidas, não se sabe sequer quais são os colaterais anexados a essas dívidas, nem se são concessionais ou comerciais", afirmou Agostinho Mondlane.
Por outro lado, algumas infraestruturas financiadas com o dinheiro chinês são de retorno económico duvidoso, porque não tem havido a diligência de realizar estudos de viabilidade consistentes. "Infelizmente, parte desse dinheiro financia autênticos elefantes brancos, que depois oneram o erário público dos países devedores", referiu Agostinho Mondlane.
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China não discute publicamente acordos
Fonte da embaixada da China em Maputo disse que o seu Governo não vai discutir publicamente aspetos inerentes a acordos de dívida com o Estado moçambicano, escusando-se a entrar em pormenores sobre o tema.
Sobre o risco de eventuais incumprimentos por parte de Moçambique levarem as autoridades chineses a penhorar bens públicos, aquele economista mostrou-se cético em relação a esse cenário, considerando que há sempre espaço para a restruturação das dívidas.
"Não me parece lógico que a China prefira 'castrar' a 'galinha dos ovos de ouro'", Agostinho Mondlane.
China em África: maldição ou benção?
A China quer mudar a sua imagem: de país explorador das matérias-primas africanas, para agente de desenvolvimento. Fazemos uma viagem pela história das relações sino-africanas.
Foto: AFP/Getty Images
Parceiros igualitários?
A China leva estradas asfaltadas, grandes estádios de futebol e internet de banda larga para África. Ao mesmo tempo, pede ao continente petróleo e outras matéria-primas. A China já é o maior parceiro comercial de África. Até 2020, o país pretende duplicar o volume de negócios para 400 mil milhões de dólares. Os críticos temem que haja apenas um vencedor nestes negócios: a China.
Foto: Getty Images
TAZARA: o primeiro grande projeto
A cooperação sino-africana começou nos anos 50 e 60. Como sinal da fraternidade socialista, a China financiou a construção de uma linha ferroviária que transportava o cobre da Zâmbia para a cidade portuária da Tanzânia, Dar es Salaam. O projeto baseava-se na amizade inter-étnica e no trabalho solidário. A ferrovia chamda TAZARA " Tanzania-Zambia Railway" funciona até aos dias de hoje.
Foto: cc-by-sa-Jon Harald Søby
Chegaram para fazer negócios
Com a estratégia "Go Global", na década de 90, o Governo chinês muda a sua política para África, começando a apoiar empresas do próprio país a fazerem negócios com o continente. O objetivo: proteger os recursos naturais estratégicos e promover o desenvolvimento económico da China. Ou seja, ter África como um parceiro de negócios e mercado para os bens de consumo chineses.
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Críticas do Ocidente
Com a nova política, a China garante para si campos de petróleo e as minas de metais preciosos, não tendo medo de trabalhar com regimes autoritários e corruptos. O país não é bem visto na Europa e nos Estados Unidos. A China só estaria interessada na exploração de recursos naturais, mas não no bem das pessoas, é a crítica do Ocidente.
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Infraestruturas como moeda de troca
A China também faz negócios com o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, procurado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio. O país está a tornar-se o mais importante investidor na indústria de petróleo sudanês. Além disso, a empresa chinesa de petróleo estatal financia a construção da barragem de Merowe, no norte do Sudão.
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Oferta de 150 milhões de euros à União Africana
As boas relações com a África são bem pagas pela China. Em 2012, o país financiou a construção da sede da União Africana, em Adis Abeba. "A China vai ajudar os países africanos a ampliar a sua força e independência", disse o chefe da delegação chinesa na cerimónia de abertura.
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Líder do mercado de telecomunicações
Duas empresas chinesas dominam o mercado africano de telecomunicações: a ZTE e a Huawei. Foi a essas empresas que Governos de todo o continente fizeram as suas grandes encomendas. Na Etiópia, a Huawei e a ZTE constroem uma rede de 3G para todo o país por 1,7 mil milhões de dólares. Na Tanzânia, empresas chinesas instalaram cerca de 10 mil quilómetros de cabos de fibra ótica.
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Concorrentes desagradáveis
As esperanças de melhores oportunidades em África não atraem apenas as grandes empresas, mas também milhares de cidadãos comuns chineses . Eles abrem pequenas lojas onde vendem produtos chineses baratos: utensílios de cozinha, jóias, dispositivos elétricos. "Muitos comerciantes africanos não estão satisfeitos com a nova concorrência", diz o economista queniano David Owiro.
Foto: DW/J. Jaki
À espera de novos postos de trabalho
Seja no comércio de retalho ou na construção de estradas "os africanos raramente lucram com investimentos chineses. As empresas trazem os seus próprios trabalhadores", diz Owiro. Agora, na África do Sul, onde a China acaba de inaugurar uma fábrica de camiões, isso pode mudar. O Governo sul-africano elogia o projeto como um marco para a industrialização africana e espera novos postos de trabalho.
Foto: Imago
De exportador a agente de desenvolvimento?
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ofereceu dois mil milhões de dólares para um fundo de desenvolvimento para África durante a sua visita ao primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn, em maio de 2014. A liderança chinesa quer abrir um novo capítulo nas relações China-África, passando de país explorador das matérias-primas para agente de um desenvolvimento sustentável.
Foto: Reuters
Medo pela reputação
"A China teme pela sua reputação no mundo", diz Sun Yun do centro de pesquisa norte-americano "Brookings". As alegações nos média de que a China só estaria interessada nas matérias-primas de África levaram a esta mudança. O Governo publicou recentemente uma lista dos programas de ajuda ao desenvolvimento, que inclui 30 hospitais, 150 escolas, 105 projetos de energia e água renováveis.
Foto: AFP/Getty Images
O charme chinês
Para promover a sua missão em África, a China lançou uma grande campanha mediática. Os meios de comunicação do Governo para o estrangeiro focam claramente os negócios, África é retratada como o continente próspero. Algo que contrasta com décadas de cobertura negativa dos meios de comunicação ocidentais.