Ângela Leão, esposa do ex-diretor do SISE Gregório Leão, negou em tribunal ter ligações à Privinvest, empresa suspeita de pagar subornos no caso das dívidas ocultas. Arguida diz que provas do MP podem ter sido viciadas.
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Ângela Leão, casada com o antigo diretor do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, negou qualquer relação com a Privinvest ou com outras entidades ligadas ao grupo envolvido no maior escândalo financeiro do país. A ré disse esta quinta-feira (16.09) em tribunal que só ouviu falar da Privinvest pela imprensa.
A arguida é acusada de ter recebido 1,7 milhões de dólares através da conta do empreiteiro Fabião Mabunda, acusações que refuta.
O juiz da causa, Efigénio Baptista, mostrou-lhe um e-mail em que ela interage com Fabião Mabunda a propósito da confirmação do recebimento do montante. O magistrado revelou também extratos bancários que confirmariam as transferências.
"Como é que se explica que, no dia 12 de maio de 2014, a senhora tenha enviado um e-mail ao senhor Mabunda para que este confirmasse se o dinheiro transferido da Privinvest refletiu na sua conta?", questionou o juiz.
"Não tenho como explicar, porque não mandei nenhum e-mail ao grupo, que não conheço nem nunca ouvi falar. De onde foi extraído esse e-mail?", retorquiu.
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Ângela Leão alega viciação de documentos
O juiz Efigénio Baptista explicou que os e-mails foram extraídos do computador do seu empreiteiro, Fabião Mabunda. Ângela Leão reagiu dizendo que os documentos do Ministério Público (MP) poderiam ter sido viciados.
"E esse computador de Mabunda, abriram à frente dele ou foram abrir sozinhos à parte? Como é que vamos apurar a veracidade desses documentos? E se forem viciados, meritíssimo?", insistiu.
"Muito bem, senhora Ângela. Agora responda à minha pergunta: não enviou esse e-mail?", voltou a perguntar Efigénio Baptista. "Não, não enviei", afirmou a arguida.
Fabião Mabunda, gestor das empreitadas de Ângela Leão, que esteve envolvido na construção de alguns imóveis em Maputo, confirmou em tribunal a transferência dos 1,7 milhões de dólares.
Arguida pedia dinheiro emprestado aos amigos
A empresária do ramo imobiliário confirmou ser proprietária de um imóvel com 10 apartamentos no bairro da Costa do Sol, na zona nobre de Maputo, sendo que parte do mesmo foi construído pela empresa M.Moçambique de Fabião Mabunda.
"Confirma que instruiu o senhor Mabunda a pagar ao senhor Sidónio este imóvel da Cândida Cossa de três pisos a 900 mil dólares?", perguntou o juiz.
"Meritíssimo, não gostaria de falar ou de partilhar [informação] sobre os meus imóveis aqui neste lugar, neste tribunal, porque é a minha vida particular, mas confirmo que pedi ao senhor Mabunda para fazer certos pagamentos ao Sidónio", informou a arguida.
A procuradora Sheila Marrengula perguntou ainda a Ângelo Leão sobre de que forma tinha adquirido os imóveis. A ré respondeu: "Eu pedia dinheiro emprestado e não só ao Mabunda, mas a vários amigos empresários. Quando identifico uma determinada obra ou imóvel, procuro todos os meios financeiros para poder adquirir esses imóveis. Posso não ter dinheiro, mas não deixo de conseguir aquele objetivo por não ter dinheiro. Vou negociando com as pessoas e vou pagando aos poucos. Quando eu tenho informações, conhecimentos de que este me pode ajudar, vou atrás. Peço emprestado e depois devolvo", justificou.
Ângela Leão está entre os 19 arguidos acusados de terem delapidado o Estado moçambicano, deixando-o como uma dívida superior a 2,2 mil milhões de dólares.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.