A última sessão foi temporariamente interrompida devido ao comportamento inadequado de António Carlos do Rosário. Réu revelou que ex-Presidente Guebuza não estava a par da criação da EMATUM.
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O antigo diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), António Carlos do Rosário, afirmou, esta quinta-feira (28.10), em tribunal, que o ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza não estava a par da criação da EMATUM, uma das empresas estatais que contraíram os empréstimos na origem das chamadas dívidas ocultas.
O réu, o último dos 19 ouvidos no julgamento, referiu que Guebuza, na qualidade de comandante-chefe das Forcas de Defesa e Segurança, apenas tomou conhecimento depois do lançamento das operações e da contração do empréstimo de 270 milhões de dólares junto do banco CreditSuisse.
"No momento que lançámos a operação no mercado, não partilhámos com chefe de Estado que esta empresa de nome EMATUM e aquela componente de pesca que nos temos no SIMP", numa referência ao do Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP) da zona económica exclusiva.
Presidente Armando Guebuza não sabia de nada
Do Rosário explicou que Guebuza não foi informado, porque não era membro do comando operativo, a entidade das Forças de Defesa e Segurança que propôs ao Governo a aprovação do SIMP. O Ministério Público acredita que o sistema foi o ardil usado para a mobilização dos empréstimos.
O juiz Efigénio Batista insistiu: "Quer dizer, assinaram o contrato de fornecimento da EMATUM, de financiamento, contactaram a CreditSuisse, o ministro Chang assinou garantias, e o Presidente da República não sabia nada disso?" O réu respondeu afirmativamente.
O antigo número dois da secreta moçambicana voltou a declarar que o responsável por toda a operação foi o coordenador do Comando Conjunto, o antigo ministro da Defesa e atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, apesar de acrescentar: "Não estou aqui para incriminar ninguém".
Juiz interrompe audição
O julgamento desta quinta feira teve momentos tensos que levaram o juiz a dar por terminada a audiência por mau comportamento do réu, quando foi chamado a responder a uma pergunta da Ordem dos Advogados representada por Flávio Menete.
"Meritíssimo, tira o Menete daqui como fez com o doutor Chivale, faz favor", exclamou do Rosário, ao que o juiz respondeu: "Está terminado o interrogatório do réu. Foi advertido várias vezes para se comportar com urbanidade. Palavras como tira o Menete daqui, o tribunal não vai permitir".
A irritação do réu deveu-se ao facto de o advogado Flávio Menete o interrogar sobre declarações prestadas por Imeram, membro do SISE e diretor de uma empresa aliada à secreta no âmbito de um processo autónomo. Nesse processo, Imeram teria afirmado que foi detido pelo Serviço Nacional de Investigação Criminal quando levantou 50 milhões de meticais, cerca de um milhão de euros.
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Réu pede desculpa
Carlos do Rosário afirmou que Imeram foi sequestrado pela polícia e acusou Flávio Menete de fazer perguntas para saber das operações internas do SISE. O juiz acabou por recuar na decisão de terminar a audiência, porque o advogado de António Carlos do Rosário, Isálcio Mahanjane, e outros advogados, pediram para compreensão pelo estado emotivo do réu.
O interrogatório prosseguiu depois de um pedido de desculpas de Carlos do Rosário, o último dos 19 réus a ser ouvido no julgamento. Na sexta-feira (29.10), as audições continuam com a audição do primeiro de 64 declarantes.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.