FMO manifesta preocupação com risco da ação judicial que "peca pelo facto das duas garantias bancárias que a PGR está a solicitar que sejam canceladas em Londres serem consideradas legais em Moçambique".
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Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em representação do Estado moçambicano, processou o Banco Credit Suisse, três individuos que trabalhavam na instituição quando foi contraída a dívida oculta e Jean Boustani, um negociador da construtora naval Privinvest, por irregularidades nos contratos com as empresas nacionais envolvidas no caso.
O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), que acompanha o caso das dívidas ocultas, lembra que a "primeira audição do caso em Londres já aconteceu. Os diferentes implicados na acusação da PGR solicitaram mais tempo para apresentarem as suas respostas".
E a plataforma, que congrega cerca de 20 ONG, está confiante que daí surgirão mais detalhes do caso. Denise Namburete é a responsável do FMO: "Acreditamos que, no primeiro trimestre do próximo ano, teremos mais informação sobre a resposta à acusação de cada um dos acusados em tribunal."
O contrasenso gigantesco
Denise Namburete avalia positivamente o processo apresentado pela PGR, justificando que "na perspetiva do FMO, é bastante forte, sólido e muito bem construído".
Contudo, o Fórum denuncia um senão e manifesta preocupação com o risco que a acusação corre em Londres. "Peca pelo facto de que as duas garantias bancárias que a PGR está a solicitar que sejam canceladas no tribunal em Londres serem consideradas legais em Moçambique. É um contrasenso gigantesco," considera.
E, receosa, Namburete afirma: "Nós não estamos a ver o juiz a cancelar, no mercado em Londres, no mercado internacional, uma garantia cuja a validade continua intacta".
Com a ação judicial, o Estado moçambicano pretende exigir uma indeminização às empresas envolvidas no caso das dívidas ocultas avaliadas em dois mil milhões de euros.
FMO pede celeridade ao Conselho Constitucional
E nesse sentido, o FMO alerta: "Então, nós gostaríamos de antecipar a importância e a urgência do Conselho Constitucional produzir os acórdãos referentes à Proindicus e à MAM [duas das três empresas envolvidas nas dívidas ocultas] para que esses acórdãos possam suportar e reforçar o caso da PGR em Londres e, igualmente, irá reforçar os casos de arbitragem em Genebra e Paris."
Cerca de dois meses depois da PGR ter submetido a ação em Londres, em abril, a Privinvest submeteu duas ações de arbitragem internacional em Genebra e Paris contra o Estado moçambicano, exigindo centenas de milhares de euros de indeminização.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)