Após dois anos do início das detenções no âmbito do caso das dividas ocultas, Fórum para a Monitoria do Orçamento critica a justiça por não determinar o arresto de bens dos arguidos nem definir datas para julgamentos.
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Dois anos depois das primeiras detenções no âmbito do caso "dívidas ocultas”, a 14 de fevereiro de 2019, 18 dos 19 arguidos do processo principal continuam detidos à espera de julgamentos, que por sua vez não têm data marcada.
No processo principal, aguardam julgamento figuras do círculo próximo do ex-Presidente da República, Armando Guebuza, tais como um dos filhos, Ndambi Guebuza, e a sua secretária pessoal, Inês Moiane.,
O Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO) mostra-se "preocupado” com a demora dos julgamentos. Em entrevista à DW África, Adriano Nuvunga, coordenador da organização moçambicana, afirma que é evidente que a Procuradoria-Geral da República está nas mãos do poder político.
DW África: Dois anos depois das primeiras detenções, não há data marcada para julgamento no processo principal. Como é que o FMO encara isso?
Adriano Nuvunga (AN): Essa demora preocupa-nos bastante, faz-nos pensar que se pode estar a preparar mais uma defraudação das expetativas do povo moçambicano. Essas pessoas estão detidas na verdade no contexto de Manuel Chang ter sido detido na África do Sul. Até então a FRELIMO e o seu presidente não tinham interesse em dar andamento ao caso. Acabou detendo essas pessoas, mas o processo não está a andar. Não só não está a andar como também não se está a fazer, de forma séria, o arresto preventivo de bens.
DW África: Esse é, então, um ponto que também vos preocupa, a questão do arresto?
AN: Um combate sério à corrupção passa por arresto de bens. Essas pessoas têm bens, têm contas bancárias chorudas fora e dentro do país, mas passam-se dois anos e ainda não se colocou mão a esse património. No passado já vimos situações onde as pessoas são detidas, ficam um ou dois anos e são soltas e continuam a usufruir do património.
DW África: Teme que isso possa acontecer também neste caso e os 18 arguidos possam vir a ser libertos sem julgamento?
AN: Tal como já vimos no passado, podemos novamente estar diante dessa situação onde Filipe Nyusi, como forma de sair da situação, reconcilia-se com os seus pares, não avança com os processos e a ele não acontece nada.
DW África: Esses arguidos estão há dois anos presos e à espera do julgamento. Vê isso como um desrespeito às leis?
AN: Claramente. Estão lá em prisão preventiva e isso tem regras claras. Agora, fez-se a revisão do código do processo penal e mexeu-se nesta questão da prisão preventiva justamente para permitir que fiquem mais algum tempo sem a pressão de se ter de os julgar e daqui a mais algum tempo as pessoas são soltas.
DW África: Essa demora no julgamento tem sido justificada com a "complexidade do processo”. Compreende o argumento?
AN: Não. Este processo de complexo não tem mais nada. Desde que se julgou em Nova Iorque tudo ficou claro. Qualquer cidadão moçambicano conhece todo o esquema. É uma questão de se avançar e julgar o processo. Não há complexidade nenhuma.
DW África: Além dos aspetos que já referiu, acredita que há outros interesses envolvidos?
AN: Sim, claramente. Como disse, têm-se insistido muito nessa questão de que o atual Presidente [Filipe Nyusi] recebeu enquanto candidato presidencial e essa é uma questão que coloca o Presidente numa situação de desconforto. Se avança com o julgamento das pessoas que estão no Língamo significa que também tem de se avançar com o processo autónomo.
DW África: Acha então que há "dedo político” no processo?
AN: Nunca esteve tão evidente que a Procuradoria-Geral da República, que é a dona da ação penal, está nas mãos do poder político.
DW África: Enquanto coordenador do Fórum para a Monitoria do Orçamento, o que pode ser feito para chegar-se a um desfecho?
AN: Nós, como cidadãos, temos de nos organizar e fazer a mobilização pública para isso. Chegou a vez de, como cidadãos, jovens, nos organizarmos e irmos para a rua para que esse caso possa ser julgado. Essas pessoas têm de ser julgadas, os seus patrimónios têm de ser confiscados, porque conduziram o estado à falência e os prejudicados são os cidadãos deste país.O país está mergulhado na sua pior crise desde que é país e não há perspetivas de como sair dessa situação.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)