Analista e especialista em direito defendem que juiz da causa errou ao basear-se apenas nas declarações do réu António Carlos do Rosário para afastar o advogado Alexandre Chivale do julgamento, que é visto como político.
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A Ordem dos Advogados de Moçambique (AOM) emitiu neste domingo, (24.10.), um comunicado a repudiar a usurpação de competências pelo Tribunal, ao decidir pelo afastamento do advogado Alexandre Chivale do julgamento das "Dívidas Ocultas".
A ordem descreve a atitude do Tribunal de Maputo como sendo ilegal, abusiva, desrespeitosa, desprestigiante e sem qualquer utilidade para a boa administração da justiça moçambicana.
O editor do semanário Zambeze, Egídio Plácido, entende que houve erro na decisão do juiz por se ter baseado nas declarações do réu António Carlos do Rosário, que era assistido pelo advogado em alusão.
"Como se sabe, as afirmações do réu devem ser valoradas e confirmadas de certa forma que se produza a verdadeira prova material. E António Carlos do Rosário disse em julgamento que era um colaborador do SISE. Em termos gerais, o SISE como secreta tem vários tipos de colaboradores e isso foi discutido em sede de tribunal", explica Plácido.
Recorde-se que, segundo o Ministério Público, o advogado é também administrador da Txopela, uma empresa do SISE que, segundo a acusação, terá recebido pagamentos indevidos do grupo Privinvest, envolvido no escândalo das dívidas ocultas. Além de que Chivale seria acionista da empresa imobiliária Dandula e da Indic Property, alegadamente usadas para branqueamento de capitais.
Validação dos factos
O jornalista defende ainda que o Tribunal devia ter oficiado a secreta moçambicana para explicar o tipo de vínculo que o advogado Alexandre Chivale tem e a partir daí tomar uma decisão.
"Me parece, de certa forma, que o tribunal foi um pouco pela emoção e não pelo fundo da questão. Aliás, para além de oficiar o SISE devia ter oficiado também a Ordem dos Advogados como o garante da prática da advocacia no país e não o fez".
O editor do semanário Zambeze considera errada a atitude do juiz Efigénio Baptista por não ter comunicado a tempo a OAM sobre este incidente.
"A Ordem dos Advogados não teve tempo suficiente. A própria ordem não foi chamada a pronunciar-se a tempo e quero acreditar que isso é um erro crasso do juiz", avalia Egídio Plácido.
E o jornalista sublinha: "Quando um juiz toma uma decisão termina aí o seu poder jurisdicional, portanto, o mesmo juiz não pode amanhã vir dizer que errou e que quer corrigir o erro. Isso há-de ser feito por um outro juiz".
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Proteger o nome do PR
Já para o ativista e diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, o tribunal não deve basear a sua atitude na confirmação apenas do réu António Carlos do Rosário.
"Nem tudo o que o réu vai dizer o tribunal acha verdadeiro, então com que base hoje o tribunal acha verdadeira a informação prestada por ele de que Chivale é dos serviços secretos? E porque demorou tanto tempo para agir? Nos parece aqui que esta a agir hoje a soldo de algum expediente qualquer", defende.
O diretor do CDD não tem duvidas de que a atitude do tribunal empurra os moçambicanos para o entendimento de que este julgamento é político.
"É político porque visa proteger o nome do Presidente da República em exercício [Filipe Nyusi] e do antigo Presidente também. E, ao mesmo tempo, lavar a riqueza amealhada em situação de claros crimes contra o Estado, contra a pátria e seriam esses crimes que deviam estar a responder e não a fazer".
Crítica à OAM
O também especialista em matéria de direito, Egídio Plácido, entende que para afastar o conceito político deste julgamento a OAM não devia apenas emitir um comunicado, porque tem meios processuais que pode fazer valer para que os direitos dos seus associados sejam respeitados.
"O simples comunicado, e numa altura em que a situação está muito quente, de certa forma pode até minar o próprio decurso deste julgamento, que desde a primeira hora foi catalogado como um julgamento político e não necessariamente juridicioso para quem acredita".
O julgamento do caso das "Dívidas Ocultas" prossegue na próxima quinta-feira, (28.10), depois da interrupção de cinco dias para dar tempo ao novo advogado de António Carlos do Rosário.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.