No seguimento, esta quinta-feira, (07.10), do julgamento das "Dívidas Ocultas" em Moçambique, António Carlos do Rosário negou ter coordenado com o filho do ex-Presidente Armando Guebuza, assuntos relacionados ao caso.
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O réu António Carlos do Rosário negou ter partilhado emails com o filho do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, para tratar de assuntos relacionados com o financiamento ou contrato do projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva.
O Ministério Público (MP) disse que o réu interagiu por correio electrónico também com a antiga vice-ministra das Finanças, Isaltina Lucas e com o filho mais velho do presidente Guebuza, Ndambi Guebuza entre outras figuras.
"[O réu] enviou o mesmo email para o filho de Armando Guebuza e o assunto é financial documents", afirmou em tribunal o MP.
O antigo número dois do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) desmentiu o envio da mensagem para as pessoas em referência, apesar da prova do Ministério Público, e negou que tratava de quaisquer assuntos de trabalho por email.
"O endereço (de email) é meu mas nunca tratei assunto de serviços com este endereço pelas razões que fiz referência aqui. Muito menos receberia um email e encaminharia para alguém que não tem nada a ver com o meu trabalho. Não entendo como o meu e-mail está aqui", disse António Carlos do Rosário.
Mas o Ministério Público insistiu: "Sim, tem aqui documentos relacionados com o projeto, o contrato, verificou?"
Ao que o arguido contra-argumentou: "Foi tirado dos meus dispositivos eletrónicos? Duvido que eu tenha, porque não me lembro de ter isto na minha caixa de email".
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Viagens suspeitas
Do Rosário negou também ter viajado para a Alemanha e os Emirados Árabes Unidos integrado na comitiva dos co-réus Ndambi Guebuza, Bruno Langa e Teófilo Ngangumele para visitar os estaleiros da Privinvest e da Abu Dhabi Mars.
O Ministério Público exibiu um relatório das viagens em questão, do qual consta o nome de António Carlos do Rosário, que respondeu que a sua missão não tinha nada a ver com a dos co-réus.
"Estou a dizer que viajei, mas não ao abrigo do entendimento entre a [empresa] MULEPE e Abu Dhabi Mars, porque eu não conheço a MULEPE. Terceiro, estou a ver o meu nome num relatório que não conheço, tenho dificuldades de ler. Então. se não conheço, não posso aprovar o que está aqui", disse.
Segundo o MP, os "objetivos que constam dessa viagem e os fatos que são narrados nessa viagem são coincidentes".
Nomes não revelados
Do Rosário confirmou que na viagem que realizou à Alemanha e aos Emirados Árabes Unidos foi acompanhado pelos quadros do Ministério da Defesa indicados, na altura, pelo ministro da tutela, Filipe Nyusi, atual Chefe de Estado.
Mas, alegando razões de segurança, escusou-se a revelar os nomes dos quadros, cujo missão era verificar as potencialidades da Privinvest, empresa que esteve implicada na contratação que resultou nas dívidas ocultas.
O réu negou ainda ter recebido um email de Jean Boustani, o libanês acusado pela justiça moçambicana de ter pago subornos alimentados pelas dívidas secretas. O assunto do email seria "CreditSwiss” com a finalidade de tratar de desembolsos de valores para financiar o projeto de Proteção da Zona Econômica Exclusiva".
"Isto é suspeito por uma razão muito simples. Se o Jean Boustani que é o remetente enviou para um grupo de recetores, o normal era incluir o Armando Guebuza como recetor neste grupo", argumentou na audição.
António Carlos do Rosário aparentou mais calma e serenidade na audição desta quinta-feira, do que na última terça feira, (05.10) quando lhe foi instaurado um processo crime autónomo por desrespeito ao tribunal.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.