Para analista, a retirada do antigo Presidente de Moçambique da lista de declarantes do caso levanta algumas suspeitas. Juiz do Tribunal de Maputo justifica que não há indícios de recebimento de dinheiro da Privinvest.
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O antigo Presidente de Moçambique Armando Guebuza já não será ouvido pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo como declarante, como estava previsto para o início de dezembro.
Alguns círculos políticos de Moçambique indicam que o ex-chefe de Estado devia ser constituído arguido neste processo pelo seu alegado papel na contratação das dívidas ocultas.
Entretanto, o juiz da causa, Efigênio Batista, lembrou a 30 de setembro que as contas de Guebuza e sua família foram rastreadas e não houve nenhum indício de recebimento de dinheiro do grupo Privinvest.
"Se tem alguém, tem que trazer e apresentar à Procuradoria-Geral da República a prova de que essas pessoas - o irmão do senhor Armando, a mãe e os familiares - receberam dinheiro do grupo Privinvest. Diga que 'está aqui a prova' e entregue-na na PGR", considerou o magistrado.
Suspeitas
Por isso mesmo que o politólogo Dércio Alfazema, do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), considera que a retirada de Guebuza da lista de declarantes pode levantar suspeitas.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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"Dá algum espaço até de alguma interpretação, de uma possível influência, se não for devidamente explicada e fundamentada de forma clara e convincente sobre as razões que estão por detrás disso", explicou.
O analista considera fazer sentido que a figura de Guebuza gere muita expetativa como declarante no processo do escândalo das dívidas ocultas, que surgiu durante a sua governação.
"Quando não há esclarecimentos e é uma figura que havia muita expectativa e ela própria mostrou interesse em esclarecer as dúvidas e as questões em sede de julgamento, aí claramente que abre espaço para a especulação e inclusivamente até interpretações de associação e de motivações políticas", acrescentou.
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Ponderações
À DW, o jurista Edson Chichango lembrou que o juiz Efigênio Batista está a julgar apenas aquilo que a PGR apresentou como acusação. "E a Procuradoria baseia-se em elementos, em provas. E os elementos que teve não indiciam as outras pessoas membros do comando conjunto como beneficiários desses dinheiros", afirmou.
Usando o princípio da acusação e da vinculação temática, o tribunal vai se vincular a aquilo que o Ministério Público apresentou. "E as outras pessoas não tendo sido encontradas, ou nesse caso arroladas, o tribunal não tem como se pronunciar", sublinhou Edson Chichango.
O analista Dércio Alfazema considera que apenas se pode saber se faz ou não sentido a retirada de Guebuza da lista de declarantes se a justificação for pública.
"Qual é o fundamento legal, se foi pedido pelos advogados, se é do Ministério Público, se é dele próprio, portanto, é preciso que haja uma explicação. Não estamos a falar de uma figura qualquer. Sabemos que o próprio Presidente Guebuza mostrou abertura e interesse de, em sede de tribunal, poder tecer alguns esclarecimentos sem volta das poeiras que existiam no processo", disse.
Na lista de declarantes que foi atualizada pelo juiz da sexta seção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo aparecem os nomes do antigo ministro das Pescas Vitor Borges, do ministro das Finanças moçambicano, Adriano Maleiane, e o advogado Alexandre Chivale, suspeito de branqueamento de capitais.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.