À DW, analista diz ter ficado confuso com as penas do caso das "dívidas ocultas", em comparação com processos anteriores. Noutros casos, os valores "roubados" eram menores, mas as penas foram mais duras.
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Onze dos dezanove arguidos acusados de defraudarem o Estado moçambicano em mais de 2,7 mil milhões de dólares foram condenados esta quarta-feira (07.12) a penas entre os 10 e os 12 anos de prisão.
Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e dois antigos responsáveis dos serviços secretos moçambicanos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário, considerados pelo tribunal como os "maiores culpados" do esquema, ficaram com as penas mais altas - 12 anos de prisão cada um.
Em entrevista à DW, o diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária de Moçambique, Dércio Alfazema, diz ter ficado "confuso" com a sentença.
Alfazema diz que "é muito estranho" que as penas do maior escândalo de corrupção do país sejam inferiores às de outros casos. Isso "reforça a ideia de que quanto menos se rouba, maior é a penalização", refere.
DW África: O que acha das penas anunciadas pelo tribunal?
Dércio Alfazema (DA): São penas que criam alguma dúvida na opinião pública, e mostram também alguma falta de coerência e clareza relativamente ao combate à corrupção no país. Ao olhar para os casos de corrupção gritante que foram julgados nos últimos anos, envolvendo atores políticos e funcionários públicos, percebemos que há alguma incoerência e falta de lógica, [para] tornar essas penas educativas para o cidadão.
Tivemos, por exemplo, o caso da senhora Setina Titosse [antiga diretora do Fundo de Desenvolvimento Agrário], que foi acusada de desviar cerca de 170 milhões de meticais [2,7 milhões de euros] e foi condenada a 18 anos de prisão. Depois, recorreu e a pena foi reduzida para 16 anos. Se olharmos para o caso do antigo ministro dos Transportes e Comunicações, o senhor Paulo Zucula, acusado de pedir subornos na compra de aeronaves, em torno de 800 mil dólares, foi condenado a 10 anos de prisão.
DW África: Portanto, quando diz que estas penas "criam dúvida" é porque poderiam ser mais altas?
DA: São penas estranhas para um caso tão gritante, envolvendo valores altíssimos. E são pessoas julgadas pelos mesmos crimes dos outros. É muito estranho que, para este caso, as penas tenham sido tão abaixo que parece que roubaram menos.
DW África: Então, como explica esta decisão do juiz?
DA: Não sei se é o juiz; não sei se tem a ver com o sistema legal, o Código Penal ou com esse excesso de subjetividade que se coloca em relação aos juízes no julgamento e na atribuição de penas. Mas a verdade é que isso cria alguma confusão no cidadão e reforça a ideia de que quanto menos se rouba, maior é a penalização.
Não estou a dizer que estas pessoas deviam ter tido penas maiores, mas estou confuso porque, ao fazer um levantamento rápido dos últimos casos de corrupção, este parece ser o que teve menor condenação. Agora, se houve dúvidas, se não há certeza se essas pessoas estão implicadas, devem ser mandadas embora. Mas começa a não haver coerência nos casos de corrupção.
DW África: Acredita que há mais processos que poderão despontar depois deste primeiro julgamento sobre as "dívidas ocultas"?
DA: Era suposto, mas, pelo que ouvimos da leitura da sentença, parece que o juiz orientou a abertura de dois processos, um deles do advogado [Alexandre] Chivale [que defendeu o réu Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza], por indícios de branqueamento de capitais. Não me apercebi de outros processos que poderão ser eventualmente iniciados. Portanto, parece que o caso está mesmo a chegar ao fim. Faltará apenas discutir a questão de recurso ou não. Enquanto isso, o tempo está a passar e, muito provavelmente, aqueles que estão na prisão vão retornar à liberdade em breve.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.