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Dívidas ocultas: "As penas são estranhas"

7 de dezembro de 2022

À DW, analista diz ter ficado confuso com as penas do caso das "dívidas ocultas", em comparação com processos anteriores. Noutros casos, os valores "roubados" eram menores, mas as penas foram mais duras.

Arguido António Carlos do Rosário durante o processo das "dívidas ocultas"Foto: Romeu da Silva/DW

Onze dos dezanove arguidos acusados de defraudarem o Estado moçambicano em mais de 2,7 mil milhões de dólares foram condenados esta quarta-feira (07.12) a penas entre os 10 e os 12 anos de prisão.

Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e dois antigos responsáveis dos serviços secretos moçambicanos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário, considerados pelo tribunal como os "maiores culpados" do esquema, ficaram com as penas mais altas - 12 anos de prisão cada um.

Em entrevista à DW, o diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária de Moçambique, Dércio Alfazema, diz ter ficado "confuso" com a sentença.

Alfazema diz que "é muito estranho" que as penas do maior escândalo de corrupção do país sejam inferiores às de outros casos. Isso "reforça a ideia de que quanto menos se rouba, maior é a penalização", refere.

DW África: O que acha das penas anunciadas pelo tribunal?

Dércio Alfazema (DA): São penas que criam alguma dúvida na opinião pública, e mostram também alguma falta de coerência e clareza relativamente ao combate à corrupção no país. Ao olhar para os casos de corrupção gritante que foram julgados nos últimos anos, envolvendo atores políticos e funcionários públicos, percebemos que há alguma incoerência e falta de lógica, [para] tornar essas penas educativas para o cidadão.

Dércio Alfazema: "A verdade é que isso cria alguma confusão no cidadão"Foto: Arcénio Sebastião/DW

Tivemos, por exemplo, o caso da senhora Setina Titosse [antiga diretora do Fundo de Desenvolvimento Agrário], que foi acusada de desviar cerca de 170 milhões de meticais [2,7 milhões de euros] e foi condenada a 18 anos de prisão. Depois, recorreu e a pena foi reduzida para 16 anos. Se olharmos para o caso do antigo ministro dos Transportes e Comunicações, o senhor Paulo Zucula, acusado de pedir subornos na compra de aeronaves, em torno de 800 mil dólares, foi condenado a 10 anos de prisão.

DW África: Portanto, quando diz que estas penas "criam dúvida" é porque poderiam ser mais altas?

DA: São penas estranhas para um caso tão gritante, envolvendo valores altíssimos. E são pessoas julgadas pelos mesmos crimes dos outros. É muito estranho que, para este caso, as penas tenham sido tão abaixo que parece que roubaram menos.

DW África: Então, como explica esta decisão do juiz?

DA: Não sei se é o juiz; não sei se tem a ver com o sistema legal, o Código Penal ou com esse excesso de subjetividade que se coloca em relação aos juízes no julgamento e na atribuição de penas. Mas a verdade é que isso cria alguma confusão no cidadão e reforça a ideia de que quanto menos se rouba, maior é a penalização.

Não estou a dizer que estas pessoas deviam ter tido penas maiores, mas estou confuso porque, ao fazer um levantamento rápido dos últimos casos de corrupção, este parece ser o que teve menor condenação. Agora, se houve dúvidas, se não há certeza se essas pessoas estão implicadas, devem ser mandadas embora. Mas começa a não haver coerência nos casos de corrupção.

DW África: Acredita que há mais processos que poderão despontar depois deste primeiro julgamento sobre as "dívidas ocultas"?

DA: Era suposto, mas, pelo que ouvimos da leitura da sentença, parece que o juiz orientou a abertura de dois processos, um deles do advogado [Alexandre] Chivale [que defendeu o réu Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza], por indícios de branqueamento de capitais. Não me apercebi de outros processos que poderão ser eventualmente iniciados. Portanto, parece que o caso está mesmo a chegar ao fim. Faltará apenas discutir a questão de recurso ou não. Enquanto isso, o tempo está a passar e, muito provavelmente, aqueles que estão na prisão vão retornar à liberdade em breve.

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