Dívidas ocultas: críticas à extradição de Manuel Chang
Rodrigo Vaz Pinto
23 de maio de 2019
Ativistas moçambicanos consideram a extradição de Manuel Chang um "revés" no caso das dívidas ocultas. Delegação do Fórum de Monitoria do Orçamento passou por Londres para pressionar as autoridades locais.
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A delegação do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) moçambicano encontra-se até esta quinta-feira (23.05.) em Londres, onde participou numa série de encontros com membros do Parlamento inglês e com autoridades locais para falarem sobe o caso das dívidas ocultas. Paula Monjane fez parte deste grupo e considera desde já que a decisão de extradição de Manuel Chang para Moçambique como um "revés" neste caso.
"Nós achámos que a extradição de Manuel Chang para os EUA iria trazer mais informação para o caso e iria desvendar obviamente uma boa parte daquilo que é a complexa teia de assuntos, que ainda não estão clarificados neste caso. Obviamente que isso para nós é um revés. Estamos preocupados porque este ano é um ano eleitoral, portanto algumas coisas poderão acontecer até lá”, comentou Monjane.
Caso complexo
Esta é uma investigação complexa com processos a decorrer em vários países, entre os quais os EUA. Neste país Manuel Chang é acusado de fraude, suborno e lavagem de dinheiro. O ex-ministro das Finanças de Moçambique também tinha um pedido de extradição das autoridades norte-americanas, contudo a justiça sul-africana acabou por decidir entregá-lo a Moçambique.
Dívidas ocultas - Paula Monjane
Os outros envolvidos neste processo são o mediador da Privinvest Jean Boustani, os antigos banqueiros do Credit Suisse Detelina Subeva, Andrew Pearse e Surjan Singh.
Paula Monjane afirma que é importante existir uma investigação de fundo e que os moçambicanos não devem pagar a dívida, de 2,2 mil milhões de dólares, criada pelos bancos Credite Suisse e VTB.
"A acusação dos EUA e de Moçambique considera que esta fraude gerada intencionalmente, sugere também falhas no sistema do banco Credite Suisse em particular. Nós estamos interessados que a investigação não seja só em relação aos indivíduos, mas em relação aos bancos envolvidos”, reforça Monjane.
No entanto, Monjane também defende os interesses de Moçambique. "Os moçambicanos não devem pagar esta dívida, é uma divida que não nasceu em Moçambique, é dinheiro que não entrou em Moçambique: Nesse contexto achamos que não devemos pagar a divida... não só não devemos mas devíamos ser compensados pelo impacto que está causar na economia e na vida das pessoas”.
Influência internacional
Depois destes dias da delegação do FMO em Londres Monjane espera mais ação por parte das autoridades competentes. O principal objetivo desta viagem foi pressionar os governantes locais.
"Agora estamos em Londres para pressionar as instituições fiscalizadoras financeiras para que façam investigações mais amplas não só numa perspetiva regulamentar, mas também para que este caso seja resolvido de uma forma mais ampla. A nossa expetativa é que o Governo britânico seja mais vocal em relação ao assunto”.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)