Banco que resolver disputa com Moçambique "amigavelmente"
Lusa
21 de outubro de 2021
Após pagar 5 milhões de euros porque teria "enganado investidores", VTB quer acordo com Moçambique para receber mais de 700 milhões. Banco argumenta que divulgou "declarações enganadoras realizadas por Moçambique".
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O banco russo VTB disse que continua a preferir "resolver amigavelmente" com Moçambique a disputa sobre 817,5 milhões de dólares [o equivalente a mais de 700 milhões de euros] que reclama do Estado, relativos às dívidas ocultas, do que esperar por uma decisão judicial.
"O VTB é sincero no seu desejo de resolver amigavelmente esta disputa", referiu fonte oficial do banco. A declaração à agência Lusa surge depois de o banco ter aceitado na terça-feira (19.10) pagar 6 milhões de dólares [o equivalente a pouco mais de 5 milhões de euros] à Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC, na sigla em inglês), face a acusações de "enganar investidores" numa oferta de títulos ligados às dívidas ocultas, "violando regras antifraude contra negligência", referiu a comissão.
Na sua análise, o VTB considera que a deliberação da SEC assenta no facto de o banco ter divulgado "declarações enganadoras realizadas por Moçambique e omissões que o VTB não conseguiu evitar", ilibando-o de responsabilidades por "atos de corrupção que ensombraram as transações". Agora espera que "o governo de Moçambique regresse à mesa das negociações da reestruturação da dívida com o VTB", referiu o banco.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.
Foto: Roberto Paquete/DW
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"Uma reestruturação por acordo continua a ser o resultado final da preferência do VTB, mas após anos de discussões sem progressos tangíveis", a instituição financeira disse que teve de levar o assunto para a justiça. Em maio de 2020, o VTB colocou uma ação num tribunal de Londres exigindo 817,5 milhões de dólares, mais juros, ao Estado moçambicano por falhar as prestações do empréstimo da MAM (Mozambique Asset Management), em 2014, no âmbito das dívidas ocultas".
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"Espera-se provas do Governo"
Sem acordo, haverá julgamento, que "irá começar em 2023 e terá a duração de três meses", referiu o banco, de acordo com a agenda judicial. Se assim for, "espera-se que sejam apresentadas provas e evidências de todas as partes envolvidas, incluindo testemunhos dos representantes oficiais do governo", acrescentou.
A descoberta das dívidas ocultas de Moçambique em 2016 levou a uma crise financeira no país que redundou numa série de processos judiciais contra o Credit Suisse e contra o banco russo VTB, lançados pela Procuradoria-Geral da República moçambicana, mas os bancos colocaram também o país no banco dos réus por falta de pagamento, argumentando que o destino e aplicação das verbas emprestadas não era sua responsabilidade.
Num julgamento que decorre em Maputo, a justiça moçambicana acusa 19 arguidos de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares [2,28 mil milhões de euros] - valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 mil milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.