Dívidas ocultas: Chang declara-se inocente nos EUA
Lusa
14 de julho de 2023
O ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, declarou-se inocente num tribunal de Nova Iorque, na primeira sessão do julgamento relativo ao escândalo das dívidas ocultas, depois da extradição da África do Sul.
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De acordo com a agência de informação financeira Bloomberg, o juiz distrital Nicholas Garaufis considerou haver risco de fuga e negou o pedido do ex-ministro de libertação sob fiança.
O antigo ministro pode enfrentar 55 anos de prisão se condenado pelas acusações.
Chang chegou a Nova Iorque na quarta-feira (12.07) ao final do dia, depois de ser extraditado da África do Sul, onde estava sob custódia desde a sua prisão em 2018, tendo-se apresentado hoje num tribunal em Brooklyn.
A acusação dos EUA diz que Chang fez parte um grupo de dirigentes corruptos moçambicanos, que terão conspirado com banqueiros do Credit Suisse para garantir um empréstimo avalizado pelo Estado para projetos marítimos que acabaram por não se concretizar, e avolumaram a dívida pública moçambicana.
Moçambique entrou em incumprimento financeiro relativamente a esta dívida de cerca de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros), da qual parte serviu apenas para pagar aos promotores do processo, o que desencadeou um corte no financiamento externo e na ajuda dos doadores internacionais, além de ter arrastado o país para uma grave crise económica e financeira, da qual ainda está a recuperar.
Em 2021, o Credit Suisse pagou quase 475 milhões de dólares, cerca de 425 milhões de euros, para resolver várias investigações sobre a sua participação neste escândalo que colocou em evidência a má preparação dos países pobres para negociar grandes projetos internacionais.
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Três banqueiros assumiram culpa
Três banqueiros do Credit Suisse consideraram-se culpados neste caso, e Jean Boustani, um comercial da Privinvest acusado de pagar 200 milhões de dólares, quase 180 milhões de euros, em subornos a dirigentes e banqueiros moçambicanos, foi absolvido em 2019 pelo tribunal de Brooklyn, onde Chang compareceu.
A acusação norte-americana argumenta que Boustani canalizou pagamentos ilícitos para responsáveis como Chang e, com isso, defraudou os investidores norte-americanos ao ajudar a organizar e esconder os subornos nas transações financeiras oferecidas a investidores em Nova Iorque e Los Angeles.
Chang e Najib Allam, o antigo diretor financeiro do Grupo Privinvest, enfrentam acusações que incluem conspiração para cometer fraude bolsista e lavagem de dinheiro.
Allam está no Líbano, país com o qual os Estados Unidos não têm acordo de extradição, e as autoridades norte-americanas vão procurar trazê-lo à justiça caso saia do país e seja detido noutro país, disse o procurador norte-americano Hiral Mehta no mês passado.
Defesa pede arquivamento do caso
Para o advogado de Chang, Adam Ford, o caso devia ser arquivado não só devido ao tempo que já passou até o cliente ser ouvido em tribunal, mas também devido às "péssimas condições" em que o antigo ministro das Finanças estava na prisão sul-africana, em isolamento.
Na sessão de quinta-feira (13.07), Ford disse que Chang "pretende ficar" nos EUA e "lutar contra essas acusações".
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos setores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)